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Desconsideração da personalidade jurídica (21.07.2020)

Inicialmente, é importante ressaltar que a pessoa jurídica não se confunde com a pessoa física ou natural de seus sócios.

O direito criou uma ficção chamada pessoa jurídica, que tem titularidade negocial, titularidade processual e autonomia patrimonial. Quanto a este, a pessoa jurídica tem um patrimônio próprio, o qual não se confunde com o patrimônio dos sócios. Isto é, os bens da sociedade não se confundem com os bens dos sócios.

Isso quer dizer que uma eventual dívida da sociedade acarreta uma responsabilidade para o patrimônio da sociedade e não para o patrimônio dos sócios.

Em sociedades limitadas, por exemplo, os sócios têm sua responsabilidade limitada ao valor de suas quotas, e todos eles respondem pela não integralização do capital social.

Porém, em algumas situações, a lei previu a possibilidade de levantar o véu da personalidade jurídica da sociedade para buscar, no patrimônio dos sócios, a execução da dívida.

Essas situações ocorrem quando os sócios utilizam a sociedade com desvio de finalidade, de forma abusiva, muitas vezes buscando uma fraude.

Primeiro, é interessante observar qual o tipo de relação entre o credor e a sociedade: se é uma relação civil, empresarial, de consumo, trabalhista ou ambiental.

Sabendo o tipo de relação, o operador do direito poderá aplicar a legislação específica ao caso concreto

Nesse sentido, o Código Civil, em seu art. 50, dispõe acerca dos requisitos da desconsideração da personalidade jurídica. Vejamos.

Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

Ainda, quanto às relações de consumo, tem-se a regra prevista no art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

E, quanto aos danos ambientais, tem-se a Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998), que, por sua vez, prevê.

Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Basicamente, tendo como parâmetro os dispositivos acima, há duas teorias que explicam o instituto. A teoria maior e a teoria menor.

A teoria maior impõe mais requisitos. Nos casos de abuso da personalidade jurídica, é a teoria adotada pelo Código Civil. Os requisitos são: inadimplemento + desvio de finalidade  ou confusão patrimonial (sócio e sociedade).

Por outro lado, tem-se a teoria menor, a qual prevê menos requisitos. Ou seja, o inadimplemento por si só já pode configurar o abuso de personalidade. É aplicável às relações de consumo e aos crimes/danos ambientais.

Os efeitos da desconsideração são: (i) não põe fim à pessoa jurídica, mas tão apenas é um efeito provisório, que se aplica a casos específicos e (ii) só atinge os sócios beneficiados com a fraude, abuso ou desvio de finalidade.

Quanto ao momento de requerimento, poderá ser pedido em todas as fases do processo. O Código de Processo Civil de 2015 prevê o chamado "incidente de desconsideração da personalidade jurídica" em seu art. 133 e seguintes.

O incidente suspende o processo principal. Assim, é preciso garantir a ampla defesa e o contraditório do sócio ou da pessoa jurídica, os quais são citados para apresentar defesa no incidente.

Além disso, a utilização da personalidade da pessoa jurídica também pode ter como fim o desvio de bens pessoais dos sócios para a sociedade, com intuito de se esquivar do cumprimento de obrigações pessoais.

Isso acontece muito quando, para evitar uma execução e torna-la quase inviável, o sócio coloca bens pessoais, como carros, em nome da sociedade.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem admitido, em casos excepcionais, a responsabilização patrimonial da pessoa jurídica pelas obrigações pessoais de seus sócios ou administradores. Por meio da interpretação teleológica do artigo 50 do Código Civil, diversos julgados do tribunal aplicam a desconsideração inversa da personalidade jurídica (que afasta a autonomia patrimonial da sociedade) para coibir fraude, abuso de direito e, principalmente, desvio de bens.

Outrossim, a pessoa jurídica muitas vezes é criada para cometer crimes, como o crime de lavagem de dinheiro. Neste caso, a receita de uma atividade ilícita é integrada ao patrimônio de uma sociedade. Esse processo ocorre em três etapas: placement, layering e integration. Trata-se de crime e os sócios podem ser responsabilizados e condenados.

Portanto, vimos que a pessoa jurídica é uma ficção criada pelo direito. E tem ela personalidade e patrimônio próprios, que não se confundem com a personalidade e patrimônio de seus sócios. Muitas vezes, a pessoa jurídica é criada e utilizada para fraudar a lei ou cometer abusos e desvio de finalidade. Nessas ocasiões, o direito previu um remédio chamado desconsideração da personalidade jurídica.

Qual o papel do advogado na pandemia? (02/07/2020)

Como adequar a prestação de serviços advocatícios em cenário de instabilidade?

 

1. Pensar novas soluções jurídicas para seus clientes

Muitos negócios estão tendo de lidar com algum tipo de restrição. Cabe ao advogado sentar e pensar junto ao cliente em como dar segurança jurídica na reformulação dos serviços da empresa, como renegociar contratos, como assessorar e informar devidamente os consumidores. Ex: elaborar termos de condição de uso em serviços eletrônicos, alterar objeto social e incluir novas atividades.

2. Promover a conciliação e métodos de solução alternativos

Com a pandemia e a consequente crise econômica, muitas obrigações contratuais, trabalhistas e administrativas tiveram ou terão uma dificuldade ou até mesmo a impossibilidade de serem cumpridas. Cabe ao advogado identificar as possibilidades legais e partir para uma negociação amigável ou até mesmo conciliação de demandas jurídicas já propostas, a fim de se evitar um processo judicial moroso e custoso. Ex: Estimular conversas e contratar um mediador ou manter canal de comunicação à distância com a contraparte e criar um cronograma de envio de propostas e contrapropostas.

3. Atuar preventivamente e antecipar problemas econômicos

A velha máxima “é melhor prevenir que remediar” agora se torna quase item obrigatório em meio a pandemia. O empresário é um empreendedor que precisa antecipar cenários. Uma vez identificada a causa e a solução do problema, o advogado entra na consultoria jurídica, assessorando o cliente empresário quais os riscos jurídicos de determinado negócio. Ex: Clientes que terão que cortar fornecedores deverão ser orientados acerca de multas contratuais.

4. Vivenciar novas experiências

Toda crise traz uma oportunidade. Porém, nem sempre vivenciamos esta realidade. Quer-se dizer que o advogado também pode aproveitar para utilizar novas ferramentas na sua atividade. Atendimento à distância é apenas um exemplo dentre vários. Reuniões a distância entre equipe e clientes, a sustentação oral de forma remota, a utilização de softwares, o envio de e-mails a repartições públicas, uso de bibliotecas e livros digitais, a realização de escrituras digitais, atos notariais eletrônicos. Com certeza, estas oportunidades não serão usadas só neste momento específico, mas permanecerão como forma de otimizar a atividade no futuro. Sai na frente quem já vivenciou estas novas experiências.

5. Atualizar-se

Como advogado, é primário o estudo constante. Esta pandemia acabou por gerar instrumentos normativos de urgência. Os advogados não podem perder a chance de saber quais regras valem, que atos atingem, qual prazo e quais efeitos. Uma resposta certa ou errada ao cliente, nesse momento, pode ser determinante para o sucesso ou fracasso do negócio. O advogado tem que estar atento a estas novas regras, seja na área cível, trabalhista, empresarial. Ex: Todo advogado da área cível tem que estar atento  à lei que promulgou o regime jurídico de emergência transitório (RJET - Lei 14.010/2020) e ao Provimento 100 do CNJ que dispõe sobre atos notariais eletrônicos.

Contratos em Tempos de COVID-19 (27.03.2020)

De proêmio, importante salientar que trataremos de uma forma geral dos contratos civis, empresariais ou de consumo. Ou seja, não falaremos do contrato de trabalho, o qual possui uma dinâmica em legislação própria, em outro ramo do direito.

Também acenamos ao leitor que este artigo é fruto da leitura de artigos de professores e juristas, tais como Carlos Elias de Oliveira, que tratou do  inadimplemento e quebra antecipados, Aline Miranda Valverde Terra, que bem definiu os efeitos da pandemia em contratos de locação em shopping center, Priscilla Chater, que tempestivamente alertou sobre a força maior, bem como Marcelo Matos Amaro da Silveira, que referiu aos encargos moratórios e Anderson Schreiber, que descreveu os principais argumentos do dever de renegociar.

Antes, também, pensamos não ser prudente já enquadrar a pandemia de corona vírus e as posteriores determinações do poder público (fato do príncipe) como eventos imprevistos, extraordinários, fortuitos ou de força maior.

É preciso, segundo o Prof. Schreiber, cuidado com fórmulas generalizantes, devendo-se proceder à análise do contrato em concreto. Assim, embora tais fatos sejam alheios à vontade das partes, eles podem ou não, a depender do caso, consubstanciarem em excludentes de responsabilidade ou provocarem a chamada onerosidade excessiva, nem sempre haverá esta consequência.

Para tanto, deve haver impacto econômico direto na relação contratual, a impossibilidade ou dificuldade no cumprimento das obrigações contratuais.

Sabe-se que o contrato é um arranjo de vontades cujo pressuposto é a previsibilidade dos acontecimentos (ex: assino um contrato agora, para pagar no dia tal, receber o produto no dia tal, receber o serviço no dia tal).

Acontece que durante o período de cumprimento do contrato em concreto, principalmente em contratos de prestação continuada e execução diferida (que se prolongam no tempo) podem acontecer eventos que não estavam previstos, que causem uma impossibilidade ou dificuldade no cumprimento das obrigações contratuais.

Assim, é preciso não perder a noção de que o inadimplemento contratual, seja relativo ou absoluto, é verificado mediante aferição de culpa do devedor. Se o devedor, que não está em mora, não deu causa ao inadimplemento, por um comportamento culposo, as perdas e danos não lhe poderão ser imputadas.

Tal questão vem disposta no art. 392 do Código Civil.

Art. 392. Nos contratos benéficos, responde por simples culpa o contratante, a quem o contrato aproveite, e por dolo aquele a quem não favoreça. Nos contratos onerosos, responde cada uma das partes por culpa, salvo as exceções previstas em lei.”

Uma exceção é colocada no artigo seguinte (393, CC), contudo. Trata-se daquelas hipóteses, onde, no contrato, uma das partes tenha se responsabilizado pelos prejuízos decorrentes de força maior ou caso fortuito.

“Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.”

Caso fortuito, para Silvio Rodrigues, seria aquele fato ligado à pessoa, enquanto força maior seria aquele fato ligado a acontecimentos externos à pessoa (ex: enchentes, epidemias). São, portanto, excludentes de responsabilidade, salvo se as partes não assumiram seu risco. Isso ocorre normalmente em contratos empresariais e complexos, onde há a distribuição e gestão do risco contratual.

Mas a ideia principal desses dois dispositivos é que sem culpa não há inadimplemento contratual absoluto nem mesmo a mora, se decorrer de uma impossibilidade momentânea ou permanente.

Priscilla Chater é categórica: “Assim, malgrado o princípio da exoneração, deve haver um impedimento real e comprovado que justifique a impossibilidade de cumprimento do dever contratualmente assumido e não um pretexto genérico.”

E alerta: “Contudo, se o impedimento, embora real, for apenas temporário, o cumprimento da obrigação deverá, a princípio, ser suspenso, salvo se o atraso dele resultante justificar a rescisão do contrato. Se o impedimento for definitivo, o contrato, em regra, deverá ser rescindido, restabelecendo-se, sempre que possível, o status quo ante.”

Ou seja, caso haja uma dificuldade, não haverá totalmente a excludente de responsabilidade, mas se entende que a cobrança da multa moratória ou dos juros moratórios são abusivos (art. 187 do CC), posto que contrária à boa-fé objetiva ou a lealdade que deve guiar as partes durante o caminho contratual (art. 422 do CC). Isto é, multa moratória e juros moratórios não podem ser aplicados quando o devedor não deu causa à situação.

Nesse contexto, Marcelo Matos da Silveira aplaude a decisão dos principais bancos do Brasil, que, na segunda-feira passada, em conjunto com o Conselho Monetário Nacional, e agindo dentro dos mais estritos parâmetros da boa-fé, anunciaram que não irão realizar cobrança de encargos moratórios pelos próximos 60 dias para clientes pessoa física e micro e pequenas empresas (que seria ainda melhor se fosse estendida para todos os clientes).

Por outro lado, caso os fatos do príncipe gerem, naquele contrato em concreto que se prolonga no tempo (de execução diferida ou prestação continuada), uma onerosidade excessiva, devem as partes verificarem ver se há previsão de resolução ou revisão do contrato.

Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.

Nesse tópico particularmente, deve-se atentar ao momento de formação do contrato, justamente para se conceber se a pandemia de corona vírus e os posteriores fatos do príncipe poderiam ser considerados como eventos extraordinários e imprevisíveis.

Outrossim, inúmeros contratos podem perder totalmente a utilidade, bem como podem apresentar lacunas quanto ao que se deve fazer nesses eventos imprevisíveis. Abre-se espaço para se prestigiar a vontade presumida das partes.

Se, contudo, diz Carlos Elias, “durante a relação contratual, o devedor adotar condutas que possam ameaçar o êxito futuro do cumprimento da obrigação, poderá o credor adotar medidas prévias ao vencimento da obrigação, mais especificamente estas duas: a exceção de inseguridade (art. 477 do Código Civil – CC) ou a quebra antecipada do contrato (doutrina e aplicação analógica dos arts. 395, parágrafo único, 475 e 477 do CC).”

A quebra antecipada do contrato pode ser decorrente de uma conduta culposa do devedor (também chamada de inadimplemento antecipado ou inadimplemento antes do termo) ou decorrente de um caso fortuito (chamada de quebra antecipada não culposa do contrato).

Ambas ocorrem quando, antes do vencimento, o objeto do contrato tenha se tornado inútil ou impossível. E a vontade presumível auxilia o operador do direito para saber se é cabível a quebra antecipada do contrato.

O autor evidentemente ressalva o prestígio que deve haver ao princípio da conservação dos negócios jurídicos, assim como Anderson Schreiber que acredita que, antes da revisão, há um dever de renegociar com base na boa-fé.

Passando estes tópicos, convém dar exemplos dos contratos mais sujeitos a interferências do fato do príncipe

Nos contratos de transporte aéreo, as empresas aéreas têm regulamentação própria, e, conforme explica Felipe P. Waetge: “Neste sentido, na data de 18 de março de 2020, foi publicada a Medida Provisória nº 925/2020, pela Presidência da República, contendo medidas emergenciais para a aviação civil brasileira, inclusive no tocante ao reembolso e remarcação de bilhetes. O estado de urgência verificado justifica a precaução, inclusive para garantir o equilíbrio econômico nas relações, evitando o colapso do sistema aeroviário, sem que os Direitos do Consumidor sejam relegados. Nos termos da Medida Provisória, ao consumidor são facultadas duas alternativas, com implicações específicas, quais sejam: a) o cancelamento da passagem e reembolso dos valores pagos; ou b) a remarcação da data da viagem.”

Quanto aos contratos de prestação de serviços, como academia, cursos e sessões, normalmente as partes estão suspendendo os contratos. Empresas de festas e eventos de formatura estão orientando a remarcação em outra data e preferindo optar pelo não cancelamento do contrato.

Portanto, são essas as considerações a respeito da influência da pandemia de Covid-19 nos contratos, podendo trazer múltiplas consequências: desde a quebra antecipada dos contratos até a sua revisão ou rescisão, passando por inúmeras soluções: como o dever de renegociar e a alegação de força maior.

 

 

Bibliografia

CHATER, Priscilla. Coronavírus e força maior: o que diz o seu contrato? Conjur. In: https://www.conjur.com.br/2020-mar-19/priscilla-chater-coronavirus-forca-maior-contrato . Acesso em 21.03.2020.

OLIVEIRA, Carlos E. Elias de. O coronavírus, a quebra antecipada não culposa de contratos e a revisão contratual: o teste da vontade presumível. Migalhas de Peso. In: https://www.migalhas.com.br/depeso/321885/o-coronavirus-a-quebra-antecipada-nao-culposa-de-contratos-e-a-revisao-contratual-o-teste-da-vontade-presumivel . Acesso em 21.03.2020.

RODRIGUES, Silvio. Curso de Direito Civil: dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Saraiva, 2004.

SCHREIBER, Anderson. Devagar com o andor: coronavírus e contratos - Importância da boa-fé e do dever de renegociar antes de cogitar de qualquer medida terminativa ou revisional. Migalhas Contratuais. In: https://www.migalhas.com.br/coluna/migalhas-contratuais/322357/devagar-com-o-andor-coronavirus-e-contratos-importancia-da-boa-fe-e-do-dever-de-renegociar-antes-de-cogitar-de-qualquer-medida-terminativa-ou-revisional . Acesso em 26.03.2020.

SILVEIRA, Marcelo Matos Amaro da. Encargos moratórios, coronavirus e boa-fé objetiva. In: https://flaviotartuce.jusbrasil.com.br/artigos/823561131/encargos-moratorios-coronavirus-e-a-boa-fe-objetiva . Acesso em 23.03.2020.

TERRA, Aline de Miranda Valverde. Covid-19 e os contratos de locação em shopping center. Migalhas de Peso. In: https://www.migalhas.com.br/depeso/322241/covid-19-e-os-contratos-de-locacao-em-shopping-center . Acesso em 21.03.2020.

WAETGE, Felipe Pagliara. COVID-19 e os Direitos do Consumidor. In: https://www.wpmg.adv.br/single-post/2020/03/20/COVID-19-e-os-Direitos-do-Consumidor. Acesso em 27.03.2020.

 

Plano de saúde e COVID-19 (05.06.2020)

Hoje, traremos quatro apontamentos sobre o comportamento esperado das operadoras de plano de saúde durante a pandemia do COVID-19.

 

1. Primeiramente, é importante destacar que a operadora não pode suspender tratamento que coloque a vida do paciente em risco, mesmo em tempos de pandemia;

2. O plano tem o dever de regulamentar os serviços de telemedicina (a distância), coleta de exames a domicílio, entre outras atividades que não exijam a presença física em estabelecimentos médicos e hospitalares;

3. Deve haver cobertura obrigatória para o exame de detecção de COVID-19, quando prescrito pelo médico ou quando houver suspeita de infecção;

4. Medicamentos experimentais – tais como cloroquina para utilização em casa (medicamento off label exige autorização da Anvisa) não é coberto pelo plano de saúde. Inclusive, há tese do STJ  nesse sentido (990);

 

 

Para mais informações, acesse o site abaixo

http://www.ans.gov.br/aans/noticias-ans/coronavirus-covid-19

Aspectos fundamentais do contrato de fiança (20/03/2020)

Há três tipos de fiança (legal, judicial ou convencional). Porém, como estamos tratando de contrato de fiança, vamos nos ater apenas à fiança convencional, já que as demais decorrem da lei ou de uma determinação do juiz.

A fiança é um contrato de garantia pessoal ou fidejussória. Ou seja, uma pessoa se obriga a garantir o pagamento de dívida de outra, caso esta não o faça.

Vem regulada nos arts. 818 a 839 do Código Civil, bem como em legislação esparsa, a exemplo da Lei de Locações de Imóveis Urbanos (art. 40).

É contrato comumente classificado como gratuito, unilateral, acessório e formal (exige a forma escrita - art. 819 do CC/2002 - e para ter validade precisa de outorga do cônjuge, exceto no regime da separação absoluta de bens, mas vale ressaltar que a esposa ou esposo que outorgar não se torna fiador ou fiadora. Pode haver o suprimento da recusa pelo juiz. A fiança prestada sem autorização de um dos cônjugues implica a ineficácia total da garantia, conforme Súmula 332 do STJ.). 

É gratuito porque o fiador não recebe qualquer contraprestação, sendo um negócio baseado na confiança. Nada impede que se acerte uma remuneração mensal pela fiança, o que normalmente acontece quando o Banco é fiador, assinando termos de responsabilidade em favor de seus clientes, em troca de uma percentagem sobre a quantia garantida.

É unilateral porque só gera obrigações para o fiador e não para o afiançado ou credor.

Acessório porque não se concebe sua existência sem um contrato principal, cujo pagamento visa garantir.

A fiança é contrato que não admite interpretação extensiva (art. 819 do CC/2002), e, logicamente, por se tratar de contrato benéfico deve ser interpretada restritivamente (art. 114 do CC/2002).

É nula a fiança prestada por analfabeto, salvo se por instrumento público, ou seja, em um Tabelionato de Notas, manifestando sua vontade em frente ao Tabelião.

As obrigações nulas não são passíveis de fiança, exceto se resultar da incapacidade pessoal do devedor (art. 823). Tal exceção não abrange o caso de mútuo feito a menor.

A fiança prescinde da presença do credor, pois é negócio celebrado entre o credor e o fiador, até mesmo pode ser formado ainda que sem o consentimento ou contra a vontade do devedor.

Por se tratar de contrato acessório, a fiança segue a sorte do contrato principal, extinguindo-o, extingue-a. Anulando-o, anula-se-a.

Também pode ser contratada por valor inferior ao da obrigação principal.

Em algumas hipóteses, a lei permite a recusa do fiador pelo credor se não for pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha de prestar fiança ou não possua bens suficientes para desempenhar fiança (art. 825 do CC/2002). É evidente que se a recusa for injustificada, ela pode ser considerada abusiva pelo juiz, ordenando a aceitação do fiador. Cumpre ao devedor provar a idoneidade do fiador.

Em vista da proteção do credor, a lei lhe confere a prerrogativa de exigir do devedor a substituição do fiador quando este se tornar insolvente ou incapaz, cabendo, nesse caso, ao credor o ônus da prova.

Os efeitos da fiança são: (i) benefício de ordem e (ii) solidariedade de cofiadores.

Benefício de ordem é a prerrogativa do fiador de exigência de excussão dos bens do devedor antes da sua. Funda-se na ideia de que a obrigação do fiador é subsidiária. Porém, na prática das fianças convencionais, há a renúncia a tal benefício, caso em que haverá a solidariedade entre o devedor e o fiador, podendo até mesmo o credor exigir do fiador primeiramente. Cabe ressaltar que é nula a cláusula de renúncia antecipada em contrato de adesão (Enunciado 364 do CEJ).[1]

Se houver dois ou mais fiadores, sem se especificar a parte da dívida que cada qual garante, a lei também prevê a solidariedade entre eles. Assim, o credor pode exigir de um deles o total da dívida, restando aquele que pagou sub-rogado nos direitos do credor (art. 831).

Pressupostos para o benefício de ordem: nomear bens do devedor existentes no município e exercer a prerrogativa até a contestação da lide.

Caso o fiador arque com os débitos do devedor, terá ele direito de regresso em face do devedor: o devedor responderá perante o fiador por todas as perdas e danos que este pagar e pelos que sofrer em razão da fiança” (art. 832 do CC)[2]. O devedor fica em mora a partir do pagamento do fiador, correndo juros e correção previstos no contrato.

Direito de exoneração da fiança é possível desde que a obrigação não seja por prazo determinado, mediante mera manifestação de vontade. O prazo de vinculação após a exoneração varia a depender do tipo de contrato (locação: 120 dias – art. 40, X, da Lei 8.245/1991; demais: 60 dias – art. 835 do CC/2002). Vale ressaltar que o STJ entendeu que pode haver direito de exoneração em contratos de prazo determinado que se tornaram contratos por prazo indeterminado.[3] Há, ainda, a Súmula 214 do STJ: O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.

São hipóteses de Extinção da fiança: decurso do prazo ou cumprimento da obrigação principal, moratória concedida ao devedor sem consentimento do fiador, ato do credor que torne impossível a sub-rogação do fiador em seus direitos e preferências (dar o exemplo de o credor abrir mão da fiança pignoratícia), dação em pagamento consentida pelo credor e retardamento do credor na execução (arts. 838 e 839).

A fiança prestada a pessoa jurídica, sendo que depois se altere o quadro social, gera o efeito de exonerar o fiador, dado o caráter intuitu personae do contrato.

A obrigação do fiador passa aos herdeiros, mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não se pode exigir mais do limite da herança (art. 836).

As fianças mais comuns são para garantir o cumprimento de contratos bancários ou contratos de locação, sendo comum os termos “fiança bancária” e “fiança locatícia”.

Por fim, importante pontuarmos que um dos principais temas referentes à fiança é, sem dúvida, no tocante ao alcance desta ao patrimônio do fiador, garantidor da dívida do devedor.

Segundo a Lei 8.009/90, permite-se a penhora do bem de família do fiador a fim de satisfazer a fiança concedida em contrato de locação. Ou seja, por tal dispositivo, na hipótese de o devedor se tornar inadimplente, deixando de arcar com os alugueres, seria o fiador acionado para realizar o devido pagamento ao credor e, caso não adimplisse com o débito, poderia ter seu único imóvel residencial penhorado.

Tal medida tem sido aplicada há anos e, com isto, milhares de brasileiros que aceitaram, sem muito pensar, ser fiador, tiveram sua moradia penhorada.

Contudo, em junho de 2.018, por três votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (RE 605.709/SP) considerou incompatível com o direito constitucional à moradia, a penhora do bem de família do fiador, dado como garantia de contrato de locação comercial, permanecendo possível a penhora em caso de contrato de locação residencial (entendimento este já pacificado).

 

Bibliografia

NEGRÃO, Theotonio; FONSECA, João Francisco da. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 50 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

RODRIGUES, Silvio. Curso de Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Saraiva, 2008.

TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 10.ed. São Paulo: Método, 2020

 

Escrito por ANDRÉ FURTADO DE OLIVEIRA e ELLEN STEFANY GONÇALVES GOMES.

 

[1] Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. Theotonio Negrão, João Francisco N. da Fonseca – 50 ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

[2] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 10.ed. São Paulo: Método, 2020, p. 812.

[3] STJ, REsp 1.798.924 – RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 21.05.2019.          

André Furtado de Oliveira

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