Aspectos fundamentais do contrato de fiança (20/03/2020)
Há três tipos de fiança (legal, judicial ou convencional). Porém, como estamos tratando de contrato de fiança, vamos nos ater apenas à fiança convencional, já que as demais decorrem da lei ou de uma determinação do juiz.
A fiança é um contrato de garantia pessoal ou fidejussória. Ou seja, uma pessoa se obriga a garantir o pagamento de dívida de outra, caso esta não o faça.
Vem regulada nos arts. 818 a 839 do Código Civil, bem como em legislação esparsa, a exemplo da Lei de Locações de Imóveis Urbanos (art. 40).
É contrato comumente classificado como gratuito, unilateral, acessório e formal (exige a forma escrita - art. 819 do CC/2002 - e para ter validade precisa de outorga do cônjuge, exceto no regime da separação absoluta de bens, mas vale ressaltar que a esposa ou esposo que outorgar não se torna fiador ou fiadora. Pode haver o suprimento da recusa pelo juiz. A fiança prestada sem autorização de um dos cônjugues implica a ineficácia total da garantia, conforme Súmula 332 do STJ.).
É gratuito porque o fiador não recebe qualquer contraprestação, sendo um negócio baseado na confiança. Nada impede que se acerte uma remuneração mensal pela fiança, o que normalmente acontece quando o Banco é fiador, assinando termos de responsabilidade em favor de seus clientes, em troca de uma percentagem sobre a quantia garantida.
É unilateral porque só gera obrigações para o fiador e não para o afiançado ou credor.
Acessório porque não se concebe sua existência sem um contrato principal, cujo pagamento visa garantir.
A fiança é contrato que não admite interpretação extensiva (art. 819 do CC/2002), e, logicamente, por se tratar de contrato benéfico deve ser interpretada restritivamente (art. 114 do CC/2002).
É nula a fiança prestada por analfabeto, salvo se por instrumento público, ou seja, em um Tabelionato de Notas, manifestando sua vontade em frente ao Tabelião.
As obrigações nulas não são passíveis de fiança, exceto se resultar da incapacidade pessoal do devedor (art. 823). Tal exceção não abrange o caso de mútuo feito a menor.
A fiança prescinde da presença do credor, pois é negócio celebrado entre o credor e o fiador, até mesmo pode ser formado ainda que sem o consentimento ou contra a vontade do devedor.
Por se tratar de contrato acessório, a fiança segue a sorte do contrato principal, extinguindo-o, extingue-a. Anulando-o, anula-se-a.
Também pode ser contratada por valor inferior ao da obrigação principal.
Em algumas hipóteses, a lei permite a recusa do fiador pelo credor se não for pessoa idônea, domiciliada no município onde tenha de prestar fiança ou não possua bens suficientes para desempenhar fiança (art. 825 do CC/2002). É evidente que se a recusa for injustificada, ela pode ser considerada abusiva pelo juiz, ordenando a aceitação do fiador. Cumpre ao devedor provar a idoneidade do fiador.
Em vista da proteção do credor, a lei lhe confere a prerrogativa de exigir do devedor a substituição do fiador quando este se tornar insolvente ou incapaz, cabendo, nesse caso, ao credor o ônus da prova.
Os efeitos da fiança são: (i) benefício de ordem e (ii) solidariedade de cofiadores.
Benefício de ordem é a prerrogativa do fiador de exigência de excussão dos bens do devedor antes da sua. Funda-se na ideia de que a obrigação do fiador é subsidiária. Porém, na prática das fianças convencionais, há a renúncia a tal benefício, caso em que haverá a solidariedade entre o devedor e o fiador, podendo até mesmo o credor exigir do fiador primeiramente. Cabe ressaltar que é nula a cláusula de renúncia antecipada em contrato de adesão (Enunciado 364 do CEJ).[1]
Se houver dois ou mais fiadores, sem se especificar a parte da dívida que cada qual garante, a lei também prevê a solidariedade entre eles. Assim, o credor pode exigir de um deles o total da dívida, restando aquele que pagou sub-rogado nos direitos do credor (art. 831).
Pressupostos para o benefício de ordem: nomear bens do devedor existentes no município e exercer a prerrogativa até a contestação da lide.
Caso o fiador arque com os débitos do devedor, terá ele direito de regresso em face do devedor: o devedor responderá perante o fiador por todas as perdas e danos que este pagar e pelos que sofrer em razão da fiança” (art. 832 do CC)[2]. O devedor fica em mora a partir do pagamento do fiador, correndo juros e correção previstos no contrato.
Direito de exoneração da fiança é possível desde que a obrigação não seja por prazo determinado, mediante mera manifestação de vontade. O prazo de vinculação após a exoneração varia a depender do tipo de contrato (locação: 120 dias – art. 40, X, da Lei 8.245/1991; demais: 60 dias – art. 835 do CC/2002). Vale ressaltar que o STJ entendeu que pode haver direito de exoneração em contratos de prazo determinado que se tornaram contratos por prazo indeterminado.[3] Há, ainda, a Súmula 214 do STJ: O fiador na locação não responde por obrigações resultantes de aditamento ao qual não anuiu.
São hipóteses de Extinção da fiança: decurso do prazo ou cumprimento da obrigação principal, moratória concedida ao devedor sem consentimento do fiador, ato do credor que torne impossível a sub-rogação do fiador em seus direitos e preferências (dar o exemplo de o credor abrir mão da fiança pignoratícia), dação em pagamento consentida pelo credor e retardamento do credor na execução (arts. 838 e 839).
A fiança prestada a pessoa jurídica, sendo que depois se altere o quadro social, gera o efeito de exonerar o fiador, dado o caráter intuitu personae do contrato.
A obrigação do fiador passa aos herdeiros, mas a responsabilidade da fiança se limita ao tempo decorrido até a morte do fiador, e não se pode exigir mais do limite da herança (art. 836).
As fianças mais comuns são para garantir o cumprimento de contratos bancários ou contratos de locação, sendo comum os termos “fiança bancária” e “fiança locatícia”.
Por fim, importante pontuarmos que um dos principais temas referentes à fiança é, sem dúvida, no tocante ao alcance desta ao patrimônio do fiador, garantidor da dívida do devedor.
Segundo a Lei 8.009/90, permite-se a penhora do bem de família do fiador a fim de satisfazer a fiança concedida em contrato de locação. Ou seja, por tal dispositivo, na hipótese de o devedor se tornar inadimplente, deixando de arcar com os alugueres, seria o fiador acionado para realizar o devido pagamento ao credor e, caso não adimplisse com o débito, poderia ter seu único imóvel residencial penhorado.
Tal medida tem sido aplicada há anos e, com isto, milhares de brasileiros que aceitaram, sem muito pensar, ser fiador, tiveram sua moradia penhorada.
Contudo, em junho de 2.018, por três votos a dois, o Supremo Tribunal Federal (RE 605.709/SP) considerou incompatível com o direito constitucional à moradia, a penhora do bem de família do fiador, dado como garantia de contrato de locação comercial, permanecendo possível a penhora em caso de contrato de locação residencial (entendimento este já pacificado).
Bibliografia
NEGRÃO, Theotonio; FONSECA, João Francisco da. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 50 ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
RODRIGUES, Silvio. Curso de Direito Civil. Dos contratos e das declarações unilaterais de vontade. São Paulo: Saraiva, 2008.
TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 10.ed. São Paulo: Método, 2020
Escrito por ANDRÉ FURTADO DE OLIVEIRA e ELLEN STEFANY GONÇALVES GOMES.
[1] Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. Theotonio Negrão, João Francisco N. da Fonseca – 50 ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
[2] TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: Volume Único. 10.ed. São Paulo: Método, 2020, p. 812.
[3] STJ, REsp 1.798.924 – RS, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, DJe 21.05.2019.