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Responsabilidade civil decorrente de acidentes com robôs (18.02.2021)

A sociedade 4.0 já é uma realidade há um bom tempo. Agora, alguns dizem que estamos entrando na sociedade 5.0, com a qual acompanha a Advocacia 5.0.

Essa sociedade é caracterizada pela alta conectividade, tornando muitas relações automatizadas, desempenhadas por softwares com inteligência artificial (ou os chamados “robôs”), que são máquinas autônomas.

Tais sistemas têm um processo chamado de Machine Learning ou Deep learning. Nada mais é que a capacidade de configurar a máquina para que ela própria desenvolva sua aprendizagem.

Há quem diga que existe a possibilidade da inteligência artificial ultrapassar a inteligência humana, o que eu particularmente duvido.

O fato é que, com a crescente ampliação do uso desses robôs em atividades rotineiras - desde a limpeza de ambientes até a automação de direção dos carros - , a sociedade começa a se preocupar com a responsabilidade civil pelos danos causados por estes autômatos.

Quem não se lembra dos acidentes com os carros da Tesla?

Assim, as perguntas que se fazem são: Quem seria de fato o responsável? O criador do programa, a pessoa que encomendou o programa, o usuário, o treinador ou o próprio robô?

Há inúmeras possibilidades que podem surgir a depender das circunstâncias peculiares do caso.

O grande problema é que, hoje em dia, a responsabilidade pressupõe a personalidade civil. Isto é só pode ser responsabilizado os sujeitos que tem personalidade civil (atualmente, as pessoas naturais e pessoas jurídicas).

Isto é, não há como imputar a responsabilidade ao robô, pois o ordenamento jurídico não lhe confere personalidade.

Discute-se, principalmente na comunidade europeia, sobre o desenvolvimento da personalidade eletrônica de robôs ou a e-personality.

Apesar de os robôs terem certo grau de autonomia, a e-personality ou personalidade eletrônica ainda não tem existência no Brasil e não há como se imputar a responsabilidade dos danos aos robôs.

Portanto, segundo alguns autores, é preciso verificar o grau de participação de cada um dos agentes na cadeia de fatos que ocasionou o dano. Ou seja, é preciso ver em que medida o fabricante, o proprietário, o usuário, o treinador ou o programador do software contribuiu ou foi negligente para que houvesse o resultado danoso.

Vale ressaltar que, se em face do empresário seria possível aplicar a teoria do risco, o mesmo não ocorre quanto ao programador, já que este só poderia ser responsabilizado subjetivamente (por ser profissional liberal), ou seja, quando comprovada a ocorrência de falha na programação ou que havia previsibilidade quanto à conduta lesiva (ainda que não programada). A não ser que o programador esteja vinculado a alguma sociedade empresária.

Também poderia se fazer um paralelo na responsabilidade por ato de terceiro (assim como o proprietário do animal responde pelos danos causados por ele, o proprietário do robô também). Nada mais é que a chamada responsabilidade vicária, que imputa ao proprietário ou usuário um dever de vigilância do robô.

Por outro lado, se defende que quanto maior a capacidade de aprendizagem, maior a responsabilidade do desenvolvedor ou do treinador.

Deve se considerar, ainda, dois pontos:

  • que há resultados não previstos pelo fabricante ou desenvolvedor, decorrentes da própria auto-aprendizagem da máquina. É o questionamento da capacidade do criador controlar a criatura. Enquadramento como defeito do produto, sob a ótica do CDC. Mas existe uma dificuldade que reside justamente na linha tênue entre defeito anterior ou defeito surgido com a auto-aprendizagem.
  • Há ainda robôs que possuem código aberto para que os usuários possam definir as programações.

Tais questões dificultam ainda mais a investigação de quem seria o responsável pelo dano ou acidente causado.

Por isso que, na Europa, já se discutiu que os criadores ou proprietários de robôs façam uma subscrição de um seguro obrigatório (semelhante ao atual DPVAT aqui no Brasil) para cobrir os danos que vierem a ser causados pelos seus robôs, sugerindo, ainda, que esse regime de seguros seja complementado por um fundo de compensação.

Diante disso, será necessário desenvolver um sistema diferenciado para tratar das responsabilidades dos vários e diversos agentes que participaram direta ou indiretamente do dano causado pela máquina, levando-se em consideração sua participação na cadeia causal, o tipo de tecnologia envolvida e seu grau de autonomia e o conhecimento científico da época.

 

Bibliografia

ALBIANI, Christine Albiani. Responsabilidade Civil e Inteligência artificial: Quem responde pelos danos causados por robôs inteligentes? In: https://itsrio.org/wp-content/uploads/2019/03/Christine-Albiani.pdf . Acesso 16.02.2021.

TEFFÉ, Chiara Spadaccini de. Quem responde pelos danos causados pela IA? JOTA, 22/10/2017. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-eanalise/artigos/quem-responde-pelos-danos-causados-pela-ia-24102017 . Acesso em 14.02.2021.

Contrato de atleta profissional de futebol (20.01.2021)

O lazer sempre existiu na história da humanidade. Antigamente, em Roma, as pessoas iam ao Coliseu assistir aos gladiadores, que arriscavam sua vida em meio a animais selvagens.

Hoje, são os jogadores de futebol que desempenham o papel de entretenimento, lazer e competição no mundo, embora a empreitada não os coloque em tantos riscos como no passado.

Todo estádio, assim como o Coliseu, é construído com a finalidade de colocar os jogadores no centro de atenção, no palco, cabendo aos torcedores os lugares a volta.

Mas as decisões mais importantes referentes ao futebol não costumam acontecer nos estádios, mas sim em salas fechadas, onde empresários, jogadores e clubes firmam contratos milionários.

Antes de falar sobre o contrato profissional de jogador de futebol, eu queria contar um pouco sobre a história desse esporte tão popular.

Se formos parar para pensar, o futebol é um fato novo comparado à história da humanidade.

Porém, desde os primórdios, se tem notícia de que o homem brincava com a bola.

Há registros de que na China e no Sudeste asiático, há mais de 2000 anos atrás, estão as verdadeiras origens do futebol. Os soldados do Imperador faziam esta atividade para treinar habilidades motoras com um jogo chamado “CUJU” (que significa rematar uma bola de couro). A bola era enchida em bexigas de animais e o objetivo era coloca-la no chamado “olha elegante”, uma rede esticada por dois bambus, que se localizava no centro do campo que dividia as duas equipes.

Na Itália, no século XVI, também há registro do chamado Calcio storico fiorentino que seria um esporte com algumas similaridades com o futebol atual, embora sendo muito mais violento.

E na própria Grã-Bretanha, o Rugby, criado em 1823, que é jogado com os pés e as mãos, pode ter se desenvolvido para o futebol. Há quem acredite ainda que do futebol veio o Rugby, quando um atleta da modalidade pegou a bola com a mão e saiu correndo até o gol adversário.

Mas o fato é que nenhum desses esportes alcançou a notoriedade e a fama do futebol, cujas regras foram inventadas definitivamente pelos ingleses no final do século XIX, mais precisamente em 1863.

Ou seja, de uma coisa simples, de um passatempo, de uma brincadeira, o futebol se tornou uma competição seria, com regras e prêmios, atraindo bilhões de fãs.

O que explica isso é que o futebol tem a possibilidade de contar várias histórias.

É uma narrativa que se constrói a cada jogo, a cada competição, a cada temporada.

É também a jornada de vários heróis. Por exemplo, o jogador que nasce num ambiente de incertezas e aos poucos vai superando os desafios para atingir seu objetivo.

E os personagens dessa jornada são vários: o artilheiro, o defensor, o maestro, o velocista, o showman, o capitão, o volante aguerrido e até mesmo o cara que joga de terno com classe.

Isso mexe com o imaginário das pessoas, trazendo-lhes memórias afetivas que são compartilhadas com amigos. Os sentimentos de arrepio, êxtase e choro marcam uma geração inteira de torcedores.

É como se vibrar, torcer e cantar pelo seu time e pelos jogadores fossem prolongamentos do próprio ser, uma válvula de escape de todas as emoções represadas.

Talvez seja esta a fórmula mágica: o futebol consegue sublimar valores nacionais ou bairristas de pertencimento e dialoga com os sentimentos humanos. É a vida compactada numa partida de 90 minutos.

E o futebol tornou-se ao mesmo tempo um negócio de entretenimento global, profissionalizando-se definitivamente na segunda metade do século XX, onde já vemos os chamados clubes-empresas.

A audiência que o esporte gera fez abrir os olhos de grandes marcas, de grandes redes de transmissão televisiva, investidores, etc.

Além disso, a profissionalização trouxe negócios que caminham paralelamente à competição: sites de aposta, medicina esportiva, psicólogos do esporte, profissionais de condicionamento físico, agenciadores ou empresários, advogados especialistas em direito desportivo, e por aí vai.

É evidente que todo este crescimento fez com que os protagonistas (atletas) começassem a ganhar salários astronômicos, embora a grande parte deles vivam com salários baixos.

Juridicamente, o futebol profissional se enquadra como desporto de rendimento, caracterizado pela remuneração pactuada em contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade de prática desportiva (art. 3.º, §1.º, I, da Lei 9.615/1998).

Dessa forma, surgiu a necessidade de pensar juridicamente na proteção dos direitos federativos e econômicos dos atletas.

A relação entre atletas e clubes ou entre atletas e empresários deve necessariamente ser estabelecida em contrato escrito.

Nesse sentido, vale fazer uma digressão de como foi a evolução desse tema aqui no Brasil.

A lei Zico foi uma das primeiras a regular o contrato de trabalho de jogador de futebol, nos arts. 22 e 23 (Lei 8.672/1993).

Posteriormente, veio a Lei Pelé (Lei 9.615/1998), que extinguiu o chamado “passe”, ao determinar que o vínculo desportivo do atleta com o clube tem natureza acessória ao respectivo vínculo trabalhista.

O passe do atleta era o vínculo que lhe dava a oportunidade de estar apto a participar de competições representando o clube. Muitos jogadores, embora tendo seu contrato de trabalho encerrado, ficavam presos ao clube e não podiam negociar com outros times nem jogar em outras equipes.

Atualmente, o contrato de atleta profissional de futebol é um contrato de trabalho com algumas especificidades.

Vamos a elas.

  1. Partes: atleta e clube
  2. Objeto: prestação de serviços, participação em treinamentos e competições
  3. Prazo: mínimo de 3 meses e máximo de 05 anos
  4. Exclusividade: o atleta só pode ter vínculo com um único clube
  5. Forma escrita (art. 3º da Lei 6354/1976 – revogada pela Lei 12.395/2011 - legislação desportiva, que também altera a Lei 9615/1998) - Salário, bônus, gratificações
  6. Cláusula obrigatória: cláusula indenizatória esportiva

Importante mencionar também que o Clube tem o poder diretivo, normativo, fiscalizatório e sancionador em relação ao atleta. Isso quer dizer que o clube dirige quais são as atividades e organiza o que propriamente os atletas vão fazer, pode também criar regras e normas internas, fiscalizar o cumprimento delas e impor sanções pelo seu descumprimento.

A relação entre clube e atleta também tem alguns direitos e deveres específicos, que estão nos art. 34 e 35 da Lei Pelé (ex: jogador deve preservar as condições físicas, participar de treinamentos, jogos). Por outro lado, é dever do clube fazer o registro do contrato na entidade de administração esportiva da modalidade.

Com base no artigo 32 da Lei Pelé, o atleta poderá se recusar a treinar e competir caso o clube que detenha seus direitos não venha a cumprir com o contrato estabelecido entre as partes (ex: salários atrasados).

Este contrato de trabalho também tem uma jornada especial (não superior a oito horas diárias ou 44 horas semanais – previsão constitucional). Como há jogo normalmente aos domingos, o repouso semanal é concedido às segundas-feiras.

Não se inclui na jornada de trabalho a concentração, que pode acontecer em período não superior a três dias. Há tempo superior se o jogo for fora da localidade. (período à disposição do clube). Entende-se que a concentração é uma forma de o atleta ter alimentação balanceada, descanso e preparação física.

Em relação às férias: os jogadores tem 30 dias assim como qualquer outro trabalhador (aqui no Brasil, especificamente no recesso entre dezembro e janeiro - entre o fim do calendário esportivo e o começo do outro).

O atleta faz jus ao depósito de 08% relativos ao FGTS (atinge gorjetas e gratificações natalinas). Mas, não tem direito o a multa de 40% na rescisão sem justa causa, porque o contrato de trabalho tem prazo determinado.

Há também a possibilidade de o clube conceder plano de saúde aos atletas e familiares beneficiários.

Hoje em dia, é muito comum também haver cláusulas de performance, vinculando prêmios e bonificações conforme o desempenho e participação do atleta nas competições.

É prudente também falar das hipóteses de suspensão (cessação temporária e total do contrato de trabalho) e interrupção (cessação temporária e parcial do contrato de trabalho) do contrato de trabalho.

A suspensão acarreta a não obrigação de pagar as verbas de natureza salarial. Ex: afastamento por doença por mais de 15 dias, licença, suspensão disciplinar, cessão-transferência temporária (obrigação do clube a que foi cedido).

Na interrupção, o clube continua obrigado a pagar e conta como tempo da jornada de trabalho. Ex: repouso semanal remunerado, férias, convocação do atleta para a seleção.

Outra questão muito crucial é a diferença entre direitos federativos, direitos econômicos, direitos trabalhistas, direitos de imagem, direitos de arena. Aparentemente pode haver alguma confusão, mas vamos explicar melhor.

Os direitos federativos são os direitos que unem o atleta ao clube para o qual vai competir, que como disse tem natureza acessória ao contrato de trabalho. É o direito federativo que permite o atleta participar das competições pelo clube ao qual é vinculado.

Direitos econômicos, por sua vez, são aqueles que o clube ou empresário detêm que estão diretamente relacionados com a questão estritamente patrimonial. São o resultado da cessão onerosa temporária ou definitiva.

Por outro lado, os direitos de imagem são decorrentes da própria personalidade do atleta. Está relacionado à sua representação. Normalmente é negociado individualmente entre atleta e clube, ou entre atleta e patrocinador. Embora sendo um direito extrapatrimonial, ele pode ser transacionado.

Por fim, o direito de arena é aquele direito coletivo da imagem da equipe quando joga uma partida. Normalmente, esse direito é vendido pelo clube para as emissoras de televisão, rádio ou internet, e repassado 5% para o sindicato dos jogadores, que, por sua vez, repassa para os atletas que participaram da partida.

 

Projeto de revitalização do Rio Pinheiros (08.12.2020)

Será que um dia poderemos colocar nossas cadeiras às margens do Rio Pinheiros e sentarmos para conversar, apreciando a paisagem num belo entardecer de um sábado qualquer?

Hoje em dia, isso ainda não é possível, mas o Estado de São Paulo, desde 2019, colocou em prática um projeto chamado o Novo Rio Pinheiros. Trata-se de resgatar a qualidade de vida do Rio e devolver aos paulistanos e turistas algo que eles faziam até a década de 1930. Porém, antes de explicar esse Projeto do Poder Público, gostaria de relembrar alguns fatos para vocês e contar um pouco da história do Rio Pinheiros, que se confunde com a história de outros rios e da própria cidade.

Bom, o Rio Pinheiros é um dos principais cursos d’água de São Paulo, ao lado do Rio Tietê e do Rio Tamanduateí, compondo o bioma característico da Mata Atlântica. É formado pelo Rio Jurubatuba que nasce na Serra do Mar na junção com o Rio Guarapiranga. O Rio Pinheiros possui 25 quilômetros de extensão e desemboca no Rio Tietê. Localiza-se fundamentalmente na região sudeste da maior metrópole da América do Sul.

No século XVI, em 25 de janeiro de 1554, justamente pela riqueza fluvial da região, foi fundada a Vila de São Paulo de Piratininga.[1] Os jesuítas prontamente se instalaram em uma região mais alta da vila, a qual, na época das inundações dos rios, transformava-se numa península que os protegia dos ataques indígenas. Naquela época, o modelo de transporte fluvial prevalecia.

Vindos do litoral por um caminho alternativo para chegar à vila de São Paulo de Piratininga, os jesuítas entravam pela atual região Sul da cidade pelo rio Grande, que desaguava no Guarapiranga para formar o rio Pinheiros. Deste local, onde se encontrava o aldeamento de Santo Amaro, fundado em 1560 por Anchieta, era possível, na época das chuvas, alcançar de barco o rio Tietê, entrar no Tamanduateí, para aportar na aldeia de São Paulo.

Os rios, em sua maioria, avançavam por meandros (ou seja, havias muitas curvas, serpenteando o Planalto Paulistano). A área de várzea passava por inundações cíclicas. E até mesmo os indígenas se estabeleceram lá pela fartura de peixes secos depois da inundação (daí o nome Piratininga, que em Tupi significa peixes secos). Também havia muitos Tamanduás às margens dos rios, por isso o nome do Rio Tamanduateí.

Com o advento da população às margens e lançamento de dejetos domésticos nos rios, já no século XVIII, a qualidade das águas estava comprometida. Para se ter uma ideia, animais eram abatidos e o sangue corria pelos córregos.

Naquela época, a tubulação era bem precária: feitas de papelão e betume. A cidade era abastecida por chafarizes colocados em determinados pontos, a partir da captação das nascentes do Rio Anhangabaú.

Em meados do século XIX, em decorrência da expansão cafeeira, a cidade de São Paulo passou a assumir maior importância na economia do país e a área urbanizada começa a se expandir. “Entre 1870-80, a Capital Paulista expandiu-se de forma crescente e ininterrupta, que, segundo Euripedes Simões de Paula, se pode falar numa segunda fundação de São Paulo”.[2]

Nesse período, houve a construção da estrada de ferro Santos -Jundiaí (São Paulo Railway), tendo como eixo condutor o Rio Tamanduateí (melhor ligação São Paulo – litoral). Assim, o modelo de transporte ferroviário começava a prevalecer sobre o transporte fluvial.

Paralelamente, houve a entrada maciça de imigrantes no país 1890-1900, o que aumentou a população que vivia nas várzeas dos Rios.

Houve a retificação do Tamanduateí, para atender a demanda imobiliária nas suas margens.

Aos poucos, a Mata Atlântica (onde predominava as palmeiras jeribás – aliás Jurubatuba em Tupi significa muitos jeribás) foi sendo retirada para construção de chácaras e plantação de verduras e legumes, que abasteciam a região de Santo Amaro. Isso potencializou a erosão dos rios, já que a capacidade de absorção da água foi se perdendo.

Já no final da década de 1920, houve o Plano das Avenidas no governo de Prestes Maia. Nesse sentido, o modelo de transporte rodoviário começou a prevalecer na cidade paulistana.

Os rios e córregos passaram a se confiar em canais e galerias subterrâneas.

Tal plano, cujo objetivo era minimizar o problema de tráfego no centro da cidade, consistia na implantação de três avenidas, delineadas num sistema de “Y”: a avenida Anhangabaú Inferior (hoje, Av. Prestes Maia) e as avenidas Nove de Julho e a Itororó (atual 23 de Maio).

Embora essas obras avançavam, o Rio Pinheiros ainda era navegável e usado para esporte e lazer até o final da década de 1930.

Nas décadas de 40 e 50, cresceram os bairros operários e as chácaras foram sendo substituídas pelas indústrias, que se instalavam ali junto à Estrada de Ferro Sorocabana. Na ausência de leis e controles ambientais, o rio também se tornou destino dos efluentes industriais e dos esgotos domésticos.

Posteriormente, a cidade de São Paulo começou a crescer exponencialmente e foi necessário ampliar a oferta de energia elétrica. Dessa forma, surgiu o projeto de canalização e retificação do Rio e construção das marginais em 1970, onde houve a inversão do curso do rio, por meio de bombeamento, para abastecer a represa Billings, localizada na região de São Bernardo, cuja água acionava a usina hidrelétrica Henry Borden, no alto da serra de Santos.

O crescimento vertiginoso da população paulistana, somado à falta de saneamento básico e ao tamponamento dos rios e córregos, fez com que a poluição se acentuasse, transformando o rio em um verdadeiro esgoto a céu aberto.

A lógica era a seguinte: construir casas e fazer de tudo para o afastamento rápido do esgoto. Porém, isso causava dois problemas: não se sabia o destino do esgoto e a rapidez do escoamento causava inundações.

Houve, assim, a necessidade de interrupção do bombeamento no final da década de 1980, uma vez que a poluição estava insustentável.

Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal do Brasil, no período da redemocratização.

Segundo art. 23 da Nossa Carta Magna,

É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.

Ainda, a Constituição prevê como princípio da ordem econômica a defesa do meio ambiente (art. 170, VI, da CF/1988).

Por sua vez, o art. 225 dispõe:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

No § 4.º desse mesmo artigo, a Mata Atlântica e Serra do Mar são consideradas patrimônio nacional.

Com base nesses dispositivos constitucionais, em 1992, a população paulistana reivindica em prol do meio ambiente a despoluição dos rios e surge o Projeto Rio Tietê.

Porém, poucos avanços foram percebidos. Ainda hoje, segundo dados da SABESP, cerca de 290 indústrias e 400 mil famílias jogam seus dejetos no rio.

Paralelamente, a população mundial começa a se preocupar com a qualidade de vida dos rios que cortam as grandes cidades. Começa-se a perceber alguns projetos de revitalização na Europa, como a do Rio Tâmisa em Londres, por exemplo.

Nesse meio tempo, algumas ações são feitas em relação ao Rio Pinheiros. O estudo do processo da limpeza do rio Pinheiros através de um sistema de flotação foi iniciado em 2001 e dado como inviável em 2011, depois do governo do estado ter investido 160 milhões de dólares.

E surge, então, em 2019, o Projeto Novo Rio Pinheiros, coordenado pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente – SIMA, com objetivo de devolver o Rio Limpo e revitalizado à população em 2022. Dentro dessa coordenação, estão CETESB, EMAE, DAEE e SABESP.

CETESB – responsável pelo monitoramento de qualidade d’água e dos sedimentos;

EMAE – responsável pela retirada dos resíduos e plantação de árvores;

DAEE – tem a função de emitir as outorgas para implantação de interceptores e emissários; e

SABESP – responsável pela rede coletora de esgoto e tratamento.

Por ser um rio urbano, a água não será potável e não terá possibilidade de natação. Mas visa melhora do odor, abrigo de vida aquática e trazer a população às suas margens.

Entre as ações, estão: o desassoreamento da calha do rio, objetivando revitalizar suas margens com a plantação de mata nativa retirada de dejetos, além do tratamento de esgoto fora do rio.

No que tange ao tratamento de esgoto (ampliação das redes e adequação ao sistema), foram feitos contratos com a SABESP sob performance. Quanto mais limpa a água, maior a compensação. O total de novos imóveis conectados à rede também serão fatores de avaliação das metas.

Os 16 contratos já em execução (divididos por bacias e sub-bacias). Até o momento, foram realizadas mais de 76 mil ligações de imóveis à rede coletora de esgotos.

Outra novidade no programa é a adoção de inovações tecnológicas em áreas de urbanização irregular, nas quais o esgoto é lançado nos córregos porque as moradias não deixaram espaço para a instalação de coletores. Nesses locais a Sabesp estuda implantar estações especiais, que vão tratar a vazão de esgoto do próprio curso d’água. 

Também, verifica-se a maior ação de desassoreamento, com retirada de resíduos do fundo do rio. Processo capitaneado pela EMAE (Empresa Metropolitana de águas e energia) em julho de 2019. Contribui para capacidade de regeneração do rio e sua vazão. As águas ficam mais claras e profundas. Os ecoboats já retiraram mais 9 mil toneladas de lixo, assim como as ecobarreiras (redes e boias).

Além disso, foram implantadas 76 mil ligações de imóveis à rede de esgoto. Como cidadãos, temos a possibilidade de verificar o cumprimento desses contratos administrativos e cumprir a nossa parte na defesa do meio ambiente urbano.

 

Bibliografia:

Gouveia, Isabel Cristina Moroz-Caccia. A cidade de São Paulo e seus rios: uma história repleta de paradoxos. In: https://journals.openedition.org/confins/10884?lang=pt

O Novo Rio Pinheiros. In :  http://novoriopinheiros.sp.gov.br/ . Acesso em 01.12.2020.

SOS mata atlântica. In: https://www.sosma.org.br/ . Acesso 01.12.2020

 

 

 

[1] A cidade de São Paulo foi fundada em 25 de janeiro de 1554, quando foi rezada a primeira missa no Pateo do Collegio pela Companhia de Jesus. Os principais representantes foram Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e Manoel de Paiva.

[2] Gouveia, Isabel Cristina Moroz-Caccia. A cidade de São Paulo e seus rios: uma história repleta de paradoxos. In: https://journals.openedition.org/confins/10884?lang=pt . Acesso em 02.12.2020.

Fraudes Sucessórias (14.12.2020)

A sucessão é um dos temas mais frequentes nas varas de família e sucessões ou nas varas cíveis do Brasil.

Embora decorrente de um fato triste (a morte do autor da herança), a sucessão também é um dos temas mais controversos da vida humana, uma vez que está diretamente ligada à transmissão de patrimônio de quem faleceu para os seus herdeiros necessários.

Inevitavelmente, quanto maior a herança e maior o número de herdeiros, a prática indica maior probabilidade de litigiosidade no inventário.

Muitas vezes, as circunstâncias peculiares do caso recheiam ainda mais as controvérsias, como por exemplo: filhos havidos fora do casamento, egoísmo e ambição por parte de alguns herdeiros, interesses em se beneficiar da negligência de outros herdeiros e até mesmo problemas pessoais entre os mesmos.

Daí que é comum e não raro ver, na atividade forense, as chamadas fraudes sucessórias, as quais tem como objetivo desviar o quinhão necessário dos herdeiros legítimos. Isto é, afastar a legítima.

É por essa razão que o advogado que atua nessa área deve estar sempre atualizado, além de ter conhecimentos interdisciplinares, como por exemplo: contratos, temas empresariais, questões contábeis da Receita Federal, questões imobiliárias, penais e até um pouco de psicologia familiar.

As fraudes, aparentemente lícitas na forma, em realidade procuram contornar a aplicação de normas de natureza imperial e cogente do direito das sucessões.

Tais fraudes também são bastante comuns no decurso de uma ação de investigação de paternidade. Isso porque o pleiteante a ser filho e herdeiro resolve buscar a paternidade post mortem, ampliando, assim, o rol dos herdeiros necessários. Isso faz com que os herdeiros já reconhecidos rechacem a probabilidade de ter mais um concorrente (diminuindo seus respectivos quinhões). E até mesmo o fazem por questões de ordem emocional, ao verificarem que seu pai pode ter tido uma relação extraconjugal.

Os tipos mais comuns de meios de fraude são as doações inoficiosas, as compra e vendas de ascendente para descendente sem consentimento expresso de todos os herdeiros necessários, as simulações de compra e venda com pessoa interposta (também chamada de triangulação) e as transferências de cotas sociais.

A literatura jurídica também se refere a: subtração ou ocultação de bens do acervo hereditário (colheita, cabeça de gado), recebimento de cotas sociais com valor menor em prejuízo de futuros sócios, doações de imóveis feitas em vida, doações sucessivas, constituição de holdings familiares, aproveitamento da incapacidade total ou relativa do autor da herança para induzi-lo a praticar atos de disponibilidade patrimonial, aportes em previdência privada e seguro de vida (em parcelas que ultrapassam a legítima), triangulação com pessoa jurídica, a qual vem integrá-la posteriormente um dos herdeiros (uso abusivo de personalidade jurídica), simulação de atos jurídicos; remessa de bens localizados no exterior, evasão de divisas e constituição de off shores.

É interessante esclarecer que qualquer um dos herdeiros necessários são legitimados a propor ações com o fim de buscar a nulidade (imprescritível) ou a anulação dos atos fraudulentos. Não é necessário formar litisconsórcio ativo com todos herdeiros prejudicados (litisconsórcio é facultativo e unitário) e a sentença tem eficácia erga omnes. No caso da anulação, é preciso atentar que, a depender do tipo de fraude, há um determinado prazo (decadencial ou prescricional) e um determinado termo inicial.

Importante também mencionar que a verificação de interposta pessoa faz inverter o ônus da prova (pois há presunção de fraude).

O advogado deve estar atento, reunindo a maior quantidade de documentos ou testemunhas possíveis acerca da capilarização do patrimônio do autor da herança. Tais provas têm por objetivo mostrar a má-fé dos herdeiros em detrimento de outros, para que se fulmine o ato fraudulento e se recomponha o patrimônio do espólio.

Acrescenta-se que a ocultação de bens é prática ainda bastante comum, pois muitas vezes os herdeiros sequer imaginam a sua existência. Assim, é importante que se peça, no decorrer do processo, ofício à Receita Federal e às associações dos registradores imobiliários, a fim de verificar a propriedade desses bens, que deve integrar o espólio.

Além disso, os frutos, rendimentos e acessórios da coisa também podem ser ocultados. Isso pode se revelar quando há a existência de fazendas, que possuem plantações ou cabeças de gado. Nesse sentido, os herdeiros fazem jus a repartição dos frutos e rendimentos da coisa.

Igualmente, se um dos herdeiros tem uso exclusivo do imóvel ou de vários imóveis do espólio, deve pagar aluguel aos demais, em consonância com a regra do Código Civil, pois a herança é um todo indivisível e os herdeiros têm posse comum, seguindo as regras do condomínio.

Além disso, caso a boa administração do inventariante seja colocada em dúvida, cabe a qualquer um dos herdeiros pedir prestação de contas em autos apensos aos autos da ação de inventário.

Enfim, o processo de inventário pode estar assoberbado de fraudes sucessórias, principalmente quando há litígios entre os herdeiros, cabendo ao profissional zeloso tomar as devidas medidas de combate a tais fraudes.

Encerramento de sociedade empresária (24.11.2020)

  1. DADOS DE PESQUISAS

As sociedades empresárias são abertas com perspectiva de durarem e gerarem bons resultados para os sócios.

As sociedades são estipuladas normalmente por prazo indeterminado. Raras vezes elas tem prazo determinado.

Porém, a realidade brasileira nos mostra que muitas empresas fecham antes de completar alguns anos da abertura.

Conforme pesquisa do SEBRAE, mais da metade das empresas paulistas não duram mais de 05 anos. Além disso, mais de um terço das empresas não chegam a durar sequer 02 anos.[1]

Entre os critérios que mais causam este encerramento precoce, estão: (i) falta de recurso, capital e planejamento prévio, (ii) inexistência de uma gestão empresarial competente e (iii) ausência de comportamento empreendedor.[2]

Apenas 09% das empresas que fecham apontam como causa problemas individuais e somente 07% apontam como causa problemas com o sócio.

Obviamente que os encerramentos se intensificaram neste ano de 2020 devido à pandemia do COVID-19.

Em âmbito nacional, segundo IBGE, “entre 1,3 milhão de empresas que na primeira quinzena de junho estavam com atividades encerradas temporária ou definitivamente, 39,4% apontaram como causa as restrições impostas pela pandemia do novo coronavírus. Esse impacto no encerramento de companhias foi disseminado em todos os setores da economia, chegando a 40,9% entre as empresas do comércio, 39,4% dos serviços, 37,0% da construção e 35,1% da indústria.”[3]

 

  1. MODOS DE ENCERRAMENTO

O direito disciplina alguns modos de encerramento da atividade empresarial.

Primeiramente, é importante dizer que, na maioria das vezes, as sociedades com mais de um sócio são encerradas de forma extrajudicial. Ou seja, não há litígio entre os sócios a gerar a propositura de uma ação judicial.

Porém, se o sócio não deseja continuar a sociedade, mas o outro não permite fazer a alteração no contrato social, deve-se lembrar a disposição do art. 5.º, XX, da Constituição Federal, que dispõe “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”. Isso é muito comum em empresas familiares.  

Espécies 

  1. Dissolução: Extrajudicial ou Judicial: conforme estiver fora ou no âmbito judicial;
  2. Total ou Parcial: conforme se encerra totalmente ou permanece um ou mais sócios.

Extrajudicial

  1. Vencimento do prazo de sociedades com prazo determinado de duração (muito raro na prática), salvo se não houver oposição, ocasião em que se torna por prazo indeterminado
  2. Consenso unânime dos sócios: normalmente pelo distrato social;
  3. Maioria absoluta: Na sociedade limitada, por exemplo, a dissolução pela vontade dos sócios depende de ¾ de aprovação do capital social, realizada em assembleia ou reunião, se o contrato social não dispôs quórum maior;
  4. Falta de pluralidade de sócios por mais de 180 dias; e
  5. Falta de autorização para funcionar.

Judicial

  1. Anulada sua constituição;
  2. Exaurido o fim social ou verificada a sua inexequibilidade (quando a atividade se torna impossível ou não produza mais vantagem econômica); e
  3. Litígio entre os sócios.

Outras causas de extinção podem ser previstas no contrato social. 

É prudente informar que, atualmente, o CPC regula o procedimento de Dissolução Parcial das Sociedades no âmbito judicial (arts. 599 a 609).

 

  1. LIQUIDAÇÃO DA SOCIEDADE

Depois da dissolução vem a liquidação. A liquidação nada mais é que o conjunto de procedimentos para apurar os ativos da sociedade, transformá-los em dinheiro e pagar o passivo (Art. 1036 - liquidante, negócios inadiáveis, vedação de novas operações).

Quando falta autorização para funcionamento da sociedade, o Ministério Público pode ajuizar liquidação a partir de 30 dias de omissão dos administradores, sócios ou do próprio órgão que encerrou.

   

 

[1] https://m.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/sp/sebraeaz/mortalidade-e-sobrevivencia-das-empresas,d299794363447510VgnVCM1000004c00210aRCRD . Acesso em 16.11.2020.

 

[2] https://m.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/sp/sebraeaz/mortalidade-e-sobrevivencia-das-empresas,d299794363447510VgnVCM1000004c00210aRCRD . Acesso em 16.11.2020.

 

[3] https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/28295-pandemia-foi-responsavel-pelo-fechamento-de-4-em-cada-10-empresas-com-atividades-encerradas . Acesso em 16.11.2020.

André Furtado de Oliveira

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