Será que um dia poderemos colocar nossas cadeiras às margens do Rio Pinheiros e sentarmos para conversar, apreciando a paisagem num belo entardecer de um sábado qualquer?
Hoje em dia, isso ainda não é possível, mas o Estado de São Paulo, desde 2019, colocou em prática um projeto chamado o Novo Rio Pinheiros. Trata-se de resgatar a qualidade de vida do Rio e devolver aos paulistanos e turistas algo que eles faziam até a década de 1930. Porém, antes de explicar esse Projeto do Poder Público, gostaria de relembrar alguns fatos para vocês e contar um pouco da história do Rio Pinheiros, que se confunde com a história de outros rios e da própria cidade.
Bom, o Rio Pinheiros é um dos principais cursos d’água de São Paulo, ao lado do Rio Tietê e do Rio Tamanduateí, compondo o bioma característico da Mata Atlântica. É formado pelo Rio Jurubatuba que nasce na Serra do Mar na junção com o Rio Guarapiranga. O Rio Pinheiros possui 25 quilômetros de extensão e desemboca no Rio Tietê. Localiza-se fundamentalmente na região sudeste da maior metrópole da América do Sul.
No século XVI, em 25 de janeiro de 1554, justamente pela riqueza fluvial da região, foi fundada a Vila de São Paulo de Piratininga.[1] Os jesuítas prontamente se instalaram em uma região mais alta da vila, a qual, na época das inundações dos rios, transformava-se numa península que os protegia dos ataques indígenas. Naquela época, o modelo de transporte fluvial prevalecia.
Vindos do litoral por um caminho alternativo para chegar à vila de São Paulo de Piratininga, os jesuítas entravam pela atual região Sul da cidade pelo rio Grande, que desaguava no Guarapiranga para formar o rio Pinheiros. Deste local, onde se encontrava o aldeamento de Santo Amaro, fundado em 1560 por Anchieta, era possível, na época das chuvas, alcançar de barco o rio Tietê, entrar no Tamanduateí, para aportar na aldeia de São Paulo.
Os rios, em sua maioria, avançavam por meandros (ou seja, havias muitas curvas, serpenteando o Planalto Paulistano). A área de várzea passava por inundações cíclicas. E até mesmo os indígenas se estabeleceram lá pela fartura de peixes secos depois da inundação (daí o nome Piratininga, que em Tupi significa peixes secos). Também havia muitos Tamanduás às margens dos rios, por isso o nome do Rio Tamanduateí.
Com o advento da população às margens e lançamento de dejetos domésticos nos rios, já no século XVIII, a qualidade das águas estava comprometida. Para se ter uma ideia, animais eram abatidos e o sangue corria pelos córregos.
Naquela época, a tubulação era bem precária: feitas de papelão e betume. A cidade era abastecida por chafarizes colocados em determinados pontos, a partir da captação das nascentes do Rio Anhangabaú.
Em meados do século XIX, em decorrência da expansão cafeeira, a cidade de São Paulo passou a assumir maior importância na economia do país e a área urbanizada começa a se expandir. “Entre 1870-80, a Capital Paulista expandiu-se de forma crescente e ininterrupta, que, segundo Euripedes Simões de Paula, se pode falar numa segunda fundação de São Paulo”.[2]
Nesse período, houve a construção da estrada de ferro Santos -Jundiaí (São Paulo Railway), tendo como eixo condutor o Rio Tamanduateí (melhor ligação São Paulo – litoral). Assim, o modelo de transporte ferroviário começava a prevalecer sobre o transporte fluvial.
Paralelamente, houve a entrada maciça de imigrantes no país 1890-1900, o que aumentou a população que vivia nas várzeas dos Rios.
Houve a retificação do Tamanduateí, para atender a demanda imobiliária nas suas margens.
Aos poucos, a Mata Atlântica (onde predominava as palmeiras jeribás – aliás Jurubatuba em Tupi significa muitos jeribás) foi sendo retirada para construção de chácaras e plantação de verduras e legumes, que abasteciam a região de Santo Amaro. Isso potencializou a erosão dos rios, já que a capacidade de absorção da água foi se perdendo.
Já no final da década de 1920, houve o Plano das Avenidas no governo de Prestes Maia. Nesse sentido, o modelo de transporte rodoviário começou a prevalecer na cidade paulistana.
Os rios e córregos passaram a se confiar em canais e galerias subterrâneas.
Tal plano, cujo objetivo era minimizar o problema de tráfego no centro da cidade, consistia na implantação de três avenidas, delineadas num sistema de “Y”: a avenida Anhangabaú Inferior (hoje, Av. Prestes Maia) e as avenidas Nove de Julho e a Itororó (atual 23 de Maio).
Embora essas obras avançavam, o Rio Pinheiros ainda era navegável e usado para esporte e lazer até o final da década de 1930.
Nas décadas de 40 e 50, cresceram os bairros operários e as chácaras foram sendo substituídas pelas indústrias, que se instalavam ali junto à Estrada de Ferro Sorocabana. Na ausência de leis e controles ambientais, o rio também se tornou destino dos efluentes industriais e dos esgotos domésticos.
Posteriormente, a cidade de São Paulo começou a crescer exponencialmente e foi necessário ampliar a oferta de energia elétrica. Dessa forma, surgiu o projeto de canalização e retificação do Rio e construção das marginais em 1970, onde houve a inversão do curso do rio, por meio de bombeamento, para abastecer a represa Billings, localizada na região de São Bernardo, cuja água acionava a usina hidrelétrica Henry Borden, no alto da serra de Santos.
O crescimento vertiginoso da população paulistana, somado à falta de saneamento básico e ao tamponamento dos rios e córregos, fez com que a poluição se acentuasse, transformando o rio em um verdadeiro esgoto a céu aberto.
A lógica era a seguinte: construir casas e fazer de tudo para o afastamento rápido do esgoto. Porém, isso causava dois problemas: não se sabia o destino do esgoto e a rapidez do escoamento causava inundações.
Houve, assim, a necessidade de interrupção do bombeamento no final da década de 1980, uma vez que a poluição estava insustentável.
Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal do Brasil, no período da redemocratização.
Segundo art. 23 da Nossa Carta Magna,
“É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
(...)
VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas”.
Ainda, a Constituição prevê como princípio da ordem econômica a defesa do meio ambiente (art. 170, VI, da CF/1988).
Por sua vez, o art. 225 dispõe:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
No § 4.º desse mesmo artigo, a Mata Atlântica e Serra do Mar são consideradas patrimônio nacional.
Com base nesses dispositivos constitucionais, em 1992, a população paulistana reivindica em prol do meio ambiente a despoluição dos rios e surge o Projeto Rio Tietê.
Porém, poucos avanços foram percebidos. Ainda hoje, segundo dados da SABESP, cerca de 290 indústrias e 400 mil famílias jogam seus dejetos no rio.
Paralelamente, a população mundial começa a se preocupar com a qualidade de vida dos rios que cortam as grandes cidades. Começa-se a perceber alguns projetos de revitalização na Europa, como a do Rio Tâmisa em Londres, por exemplo.
Nesse meio tempo, algumas ações são feitas em relação ao Rio Pinheiros. O estudo do processo da limpeza do rio Pinheiros através de um sistema de flotação foi iniciado em 2001 e dado como inviável em 2011, depois do governo do estado ter investido 160 milhões de dólares.
E surge, então, em 2019, o Projeto Novo Rio Pinheiros, coordenado pela Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente – SIMA, com objetivo de devolver o Rio Limpo e revitalizado à população em 2022. Dentro dessa coordenação, estão CETESB, EMAE, DAEE e SABESP.
CETESB – responsável pelo monitoramento de qualidade d’água e dos sedimentos;
EMAE – responsável pela retirada dos resíduos e plantação de árvores;
DAEE – tem a função de emitir as outorgas para implantação de interceptores e emissários; e
SABESP – responsável pela rede coletora de esgoto e tratamento.
Por ser um rio urbano, a água não será potável e não terá possibilidade de natação. Mas visa melhora do odor, abrigo de vida aquática e trazer a população às suas margens.
Entre as ações, estão: o desassoreamento da calha do rio, objetivando revitalizar suas margens com a plantação de mata nativa retirada de dejetos, além do tratamento de esgoto fora do rio.
No que tange ao tratamento de esgoto (ampliação das redes e adequação ao sistema), foram feitos contratos com a SABESP sob performance. Quanto mais limpa a água, maior a compensação. O total de novos imóveis conectados à rede também serão fatores de avaliação das metas.
Os 16 contratos já em execução (divididos por bacias e sub-bacias). Até o momento, foram realizadas mais de 76 mil ligações de imóveis à rede coletora de esgotos.
Outra novidade no programa é a adoção de inovações tecnológicas em áreas de urbanização irregular, nas quais o esgoto é lançado nos córregos porque as moradias não deixaram espaço para a instalação de coletores. Nesses locais a Sabesp estuda implantar estações especiais, que vão tratar a vazão de esgoto do próprio curso d’água.
Também, verifica-se a maior ação de desassoreamento, com retirada de resíduos do fundo do rio. Processo capitaneado pela EMAE (Empresa Metropolitana de águas e energia) em julho de 2019. Contribui para capacidade de regeneração do rio e sua vazão. As águas ficam mais claras e profundas. Os ecoboats já retiraram mais 9 mil toneladas de lixo, assim como as ecobarreiras (redes e boias).
Além disso, foram implantadas 76 mil ligações de imóveis à rede de esgoto. Como cidadãos, temos a possibilidade de verificar o cumprimento desses contratos administrativos e cumprir a nossa parte na defesa do meio ambiente urbano.
Bibliografia:
Gouveia, Isabel Cristina Moroz-Caccia. A cidade de São Paulo e seus rios: uma história repleta de paradoxos. In: https://journals.openedition.org/confins/10884?lang=pt
O Novo Rio Pinheiros. In : http://novoriopinheiros.sp.gov.br/ . Acesso em 01.12.2020.
SOS mata atlântica. In: https://www.sosma.org.br/ . Acesso 01.12.2020
[1] A cidade de São Paulo foi fundada em 25 de janeiro de 1554, quando foi rezada a primeira missa no Pateo do Collegio pela Companhia de Jesus. Os principais representantes foram Manoel da Nóbrega, José de Anchieta e Manoel de Paiva.
[2] Gouveia, Isabel Cristina Moroz-Caccia. A cidade de São Paulo e seus rios: uma história repleta de paradoxos. In: https://journals.openedition.org/confins/10884?lang=pt . Acesso em 02.12.2020.