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ITCMD : nova alíquota de 1% no Estado de São Paulo será sancionada ? (12.01.2023)

A Assembleia Legislativa Paulista aprovou no apagar das luzes do ano passado a redução da alíquota de ITCMD de 4% para 1%.

Para ter aprovação em definitivo, precisa passar pela sanção do Governador do Estado de São Paulo recém eleito, Tarcísio Gomes, que já prenunciou que vetará.

O ITCMD é o imposto de transmissão causa mortis e doação. Ele incide na transmissão do patrimônio do falecido a seus herdeiros, bem como nas operações de doação.

A base de cálculo é o valor do patrimônio a inventariar e, no caso da doação, o valor do bem a ser doado.

A redução é significativa e quando comparada a outros Estados chama bastante atenção. Há estados brasileiros cujas alíquotas de ITCMD chegam a 8%.

Especialistas divergem sobre as consequências dessa redução. Muitos acreditam que a arrecadação vai cair, mas outros creem que a redução incentivará a realização de inventários e doações no Estado Paulista.

Porém, o lugar de arrecadação do ITCMD será : o Estado da situação do bem quando estamos falando de bem imóvel ou o Estado onde se processa o inventário quando estamos falando de bem móvel (art. 155, I e § 1.º da CF/1988). Quando estamos falando de inventário, a competência territorial é do lugar em que tenha sido o último domicílio do falecido (art. 48 do CPC) ou, se não houver domicílio certo, no local onde o patrimônio imobiliário do inventariado estiver (art. 58, parágrafo único, do CPC).

Por sua vez, quando estamos tratando de doação, trata-se de um contrato que se aperfeiçoa com a vontade das partes e a disponibilização do bem, ocorrendo no foro do domicílio do doador (art. 155, § 1.º, II, da CF/1988) quando falamos de bens móveis ou no foro da situação do imóvel quando falamos de bens imóveis.

Saber as alíquotas de ITCMD dos diferentes estados, bem como os locais dos bens do inventariado e o último domicílio deste último é condição fundamental para as pessoas preverem como se dará a incidência do imposto. Além disso, essas informações podem ser levadas aos advogados para que se faça um estudo prévio acerca da possibilidade de planejamento patrimonial e sucessório.

 

Reflexões sobre a liberdade (16/12/2022)

A noção de liberdade é muita relativa. Devemos nos perguntar: livre em relação a que?

À ação? Ao acesso a bens? À locomoção? À opinião?

Em artigo jurídico, Tércio Sampaio Ferraz explica que a liberdade é uma desvinculação de algo, mas por outro lado é uma vinculação com outra coisa.

Melhor explicando, se eu sou livre do Estado, automaticamente estou me vinculando aos interesses particulares. Se eu tenho liberdade de opinião, ao exercê-la, estou me vinculando a ela e suas consequências.

Temos a ideia de liberdade como algo indefinido e infinito. Mas no mundo real as coisas não são bem assim.

Se eu escolher viajar o mundo, estou impulsionando minha liberdade geográfica, mas ao mesmo tempo me limitando ao quanto conseguirei bancar esta viagem.

Com o passar do tempo, o ser livre também passou por mudanças.

O livre arbítrio é concedido ao homem, mas há consequências.

O Estado Democrático de Direito garante uma série de liberdades aos indivíduos (art. 5.º, caput, IV, VI, VIII, IX, XV, XVI), onde há um espaço para exercê-las. Esses direitos são constitucionalmente protegidos, mas não são absolutos.

Isso significa que ao exercê-los, o homem deve entender, por viver em sociedade, que eles podem conflitar com direitos de outras pessoas.

Daí vemos que a liberdade pura e ideal não existe. A liberdade cobra um preço. É uma escolha que vincula às suas próprias consequências e se desvincula de inúmeras outras possibilidades.

Portanto ser livre exige consciência, razão.  Epicteto diz : “Não adquirimos liberdade satisfazendo o que desejamos e sim eliminando nossos desejos”.

Por sua vez, Spinoza diz que “chamo ser livre quem se deixa guiar unicamente pela razão”.

Então a liberdade absoluta é um conceito irreal. Primeiro porque a escolha livre vincula-se a seu objeto, afastando os demais. Segundo, no caminho da liberdade, pela estrutura do mundo real, sempre haverá limitações de ordens diversas (financeiras, geográficas, interpessoais etc.). Terceiro porque liberdade sem razão é o próprio caos (libertinagem) e certamente vai trazer consequências que não te libertarão. E, por fim, o sentimento de liberdade não é eterno (por exemplo, ao impulsionar a liberdade de locomoção e fazer uma viagem, dependerá de recursos, os quais não são ilimitados).

Ou seja, tudo isso se resume na seguinte assertiva: a liberdade é sempre uma esfera de ação dentro de certas possibilidades.

No âmbito jurídico, eu gostaria de falar de liberdade de expressão ou de livre manifestação do pensamento, que é o termo empregado no art. 5.º, IV, da CF, sendo, portanto, um direito fundamental.

O direito fundamental sobrepõe-se ao interesse público. Essa é sua característica. Ele goza de proteção constitucional em um Estado Democrático como o brasileiro.

Mas como se sabe, como qualquer direito, ele não é absoluto, podendo sofrer mitigações em certos casos excepcionalíssimos, onde ele conflita com outros valores, direitos e princípios constitucionais.

Quando há esse conflito estamos diante de uma situação que precisa ser resolvida mediante ponderação pelo princípio da proporcionalidade.

Ou seja, considerando a definição de Alexy, de que os princípios são mandamentos de otimização, há diferentes graus de concretização desses princípios nesses casos excepcionais.

O abuso da liberdade de expressão pode acontecer, a ponto de uma pessoa instigar um crime, caluniar, difamar ou injuriar uma pessoa, cometer crimes de ódio ou preconceito racial, étnico, religioso, sexual. Assim, esta limitação não é concedida a priori, mas comina sanções pelo seu descumprimento.

A liberdade de expressão não abarca isso e nem poderia. Uma coisa é ter uma opinião sobre um fato. Outra coisa é emitir uma opinião que incite a violência, por exemplo.

Desta forma, observamos que no contexto social, todos os homens de alguma forma estão ligados e, para garantir a coesão social, a liberdade de um indivíduo, apesar de ser soberana, pode em alguns casos sofrer limitações ou sanções por descumprimentos.

A liberdade tem sempre um preço.

 

Contrato com pessoa a declarar (01.11.2022)

O contrato com pessoa a declarar é um contrato com uma cláusula de indicação de terceiro. Assim, o contratante originário reserva o direito de indicar uma pessoa que, em aceitando, o substituirá no contrato.

Esse tipo de contrato era muito utilizado na Idade Média, onde os nobres queriam reservar a sua identidade, pedindo para que um representante comprasse um bem em seu nome, para depois o indicar como comprador definitivo.

A primeira Codificação Civil que o regulou foi a italiana, que chama o instituto de "contratto per personna ad nominare" (contrato com pessoa a nomear).

Depois, vieram os Códigos Português, Boliviano, Peruano e Brasileiro.

Aqui no país, este contrato é regulado nos artigos 467 a 471 do Código Civil.

No art. 467, podemos ver o conceito.

Art. 467. No momento da conclusão do contrato, pode uma das partes reservar-se a faculdade de indicar a pessoa que deve adquirir os direitos e assumir as obrigações dele decorrentes.

Logo adiante, vemos o prazo dessa indicação.

Art. 468. Essa indicação deve ser comunicada à outra parte no prazo de cinco dias da conclusão do contrato, se outro não tiver sido estipulado.

E, no parágrafo único desse mesmo artigo, é disposto que a forma da aceitação do terceiro deve ser a mesma forma do contrato (ex.: se for escrita, deve ser a aceitação também de forma escrita).

Parágrafo único. A aceitação da pessoa nomeada não será eficaz se não se revestir da mesma forma que as partes usaram para o contrato.

Em seguida, verificamos que, com a aceitação, o terceiro indicado assume a posição do contratante originário desde o início (de forma retroativa - ex tunc).

Art. 469. A pessoa, nomeada de conformidade com os artigos antecedentes, adquire os direitos e assume as obrigações decorrentes do contrato, a partir do momento em que este foi celebrado.

E, por fim, nos arts. 470 e 471, são previstas as hipóteses em que os efeitos do contrato permanecem entre os contratantes originários.

Art. 470. O contrato será eficaz somente entre os contratantes originários:

I - se não houver indicação de pessoa, ou se o nomeado se recusar a aceitá-la;

II - se a pessoa nomeada era insolvente, e a outra pessoa o desconhecia no momento da indicação.

Art. 471. Se a pessoa a nomear era incapaz ou insolvente no momento da nomeação, o contrato produzirá seus efeitos entre os contratantes originários.

Vemos, portanto, que trata-se de um contrato específico que ainda tem grande potencial de utilidade prática, como, por exemplo, reservar a identidade do comprador, circular os contratos de forma mais rápida e evitar a dupla tributação em vendas sucessivas.

Regulamento da CBF para intermediadores (17.11.2022)

Há um tempo eu fiz um vídeo sobre o contrato de trabalho de jogador de futebol.

(link: Contrato de trabalho de jogador profissional de futebol - YouTube )

Desta vez, eu vim falar sobre os empresários dos jogadores de futebol, os quais são os principais elos entre o clube e o atleta no momento da negociação dos contratos. 

Em abril deste ano, saiu em diversos veículos de mídia a notícia do falecimento de Mino Raiola, um dos empresários de futebol mais conhecido do mundo, aos 54 anos.

O empresário italiano agenciava nada mais nada menos que Ibrahimovic, Paul Pogba e Erling Haaland, além de ter agenciado, no passado, Pavel Nedved, Dennis Bergkamp e também o polêmico Mario Balotelli.[1]

Só para se ter uma ideia das cifras que ele movimentava nas negociações, em 2021 ou 2020, na transação de Paul Pogba, do Juventus de Torino para o Manchester United (105 milhões de Euros), o empresário teria ficado com 45 milhões de euros.

Também neste ano, assisti a série que conta a transferência do Figo do Barcelona para o Real Madri, que teve como um dos protagonistas o empresário José Veiga, bem como há um tempo o documentário sobre a vida do Cristiano Ronaldo, destacando a importância do empresário Jorge Mendes para sua carreira, principalmente quando ele foi transferido do Sporting para o Manchester United em 2003, quando tinha 18 anos e Alex Ferguson confiou no talento do então garoto da Ilha da Madeira.

Mas são poucos os empresários que têm passe livre em grandes clubes e brigam pelos direitos de seus jogadores. No passado, todo empresário que atuava internacionalmente devia ter um registro na FIFA. Porém, atualmente a FIFA decidiu desregulamentar a profissão, não exigindo mais uma licença para atuação dos intermediadores.

O que é o intermediador?

O intermediador é o empresário representante do atleta. É ele quem intermedia a relação entre os jogadores ou técnicos e os clubes. Ele presta um serviço remunerado de intermediação ou representação. Ou seja, em toda negociação (venda ou empréstimo), é ele quem negocia o salário, bônus, prazo de contrato, multa rescisória e direitos de imagem. E ao negociar isso ele recebe uma taxa (fee) pago pelo próprio atleta, normalmente em porcentagem sobre a transação de venda ou empréstimo.

Essa relação é iniciada sobretudo na confiança entre o jogador e o empresário.

Ok, mas quais são os requisitos para ser empresários de jogador de futebol no Brasil?

Hoje em dia, a FIFA não regulamenta mais a profissão. Aqui no Brasil, no entanto, a CBF tem um regulamento que coloca algumas condições para exercer a profissão.

O Regulamento Nacional de Intermediários da CBF considera como intermediário toda pessoa física ou jurídica que atue como representante de jogadores, técnicos de futebol e/ou de clubes, seja gratuitamente, seja mediante o pagamento de remuneração, com o intuito de negociar ou renegociar a celebração, alteração ou renovação de contratos de trabalho, de formação desportiva e/ou de transferência de jogadores.

O regulamento se aplica a

  1. pré-contrato/contrato especial de trabalho entre jogador e clube,
  2. pré-contrato/contrato de trabalho entre técnico e clube,
  3. contrato de formação desportiva (com exceção de jogador maior de idade – neste caso não é devida comissão alguma),
  4. contrato de transferência temporária e definitiva de um jogador entre dois clubes,
  5. contrato de uso e exploração de direito de imagem do jogador ou técnico e o clube.

O jogador tem o direito de contratar representante com base na sua autonomia da vontade, mas é preciso que o representante tenha prévio registro na CBF. Ou seja, há proibição de atuação PF ou PJ não registrada na CBF.

Bom e quais são os requisitos para ser empresário cadastrado na CBF?

 

  • Reputação ilibada e conceito inatacável.
  • Apresentar documentos – com destaque para seguro de responsabilidade civil até 400 mil;
  • Renovação do registro a cada 3 anos
  • Pagamento de taxa
  • Não pode exercer cargo em liga, clube, federação, confederação, associação, FIFA etc.

 

Lembrando que pode também cadastrar-se como empresário aquele não residente no Brasil e se for Pessoa Jurídica, o representante tem que ser sócio e administrador da sociedade.

Vale ressaltar que a CBF tem o direito de aplicar suspensão em caso de irregularidade e compete à DRT (Diretoria de Registro, Transferência e Licenciamento da CBF) indeferir, cancelar, suspender, restringir, bloquear o cadastro.

Atualmente, no Regulamento, há previsão de aplicação de exame aos intermediários da CBF, porém ela ainda não regulamentou de forma detalhada esse ponto.

Uma informação importante é que deve haver declaração de participação sempre que houver intermediação de contratos (mesmo que não haja comissão). Essa declaração deve ser apresentada no prazo de 30 dias da operação.

Bom e quais são os requisitos do contrato de intermediação?

Vamos a eles:

  1. Nome e qualificação das partes
  2. Natureza jurídica da relação (prestação de serviço, consultoria, recolocação de emprego, etc)
  3. Duração (limite 3 anos)
  4. Alcance dos serviços
  5. Remuneração e condições de pagamento
  6. Assinatura de ambas as partes
  7. Cadastro na Câmara Nacional de Resolução de Disputas (CNRD)

 

Ok e como se paga o intermediador?

Os pagamentos podem ser com base na negociação total bruta ou salário bruto. E, salvo negociação em contrário, deverá ser pago em parcelas anuais ao final de cada temporada contratual. Esses valores, no entanto, podem ser pagos à vista se as partes assim ajustarem em contrato.

Vale lembrar que, inexistindo remuneração pactuada no contrato, esta será de 3% da remuneração total do técnico ou jogador.

Caso seja empresário do clube cedente, a remuneração será proporcional ao tempo restante do contrato.

Importante sublinhar que não incide remuneração sobre direitos econômicos, nem participações em indenizações de transferência e valores futuros de transferência.

O Intermediário não pode atuar com jogador ou técnico que já tenha outro intermediário, sob pena de multas contratuais e perdas e danos.

Também há proibição de condicionar a transação a um empresário específico.

A CBF coloca alguns princípios da atuação do intermediário, entre eles, estão os princípios da lealdade, transparência, honestidade, probidade, boa-fé e diligência profissional

Cabe também ao empresário o dever de informar toda e qualquer proposta recebida ao jogador ou técnico, guardar o segredo profissional e atuar com a máxima discrição

Todas as disputas devem ser levadas à Câmara Nacional de Resolução de Disputas da CBF, com a comunicação à FIFA das sanções, podendo serem pleiteadas as verbas até 2 anos a partir do fato gerador da discussão.

Portanto, como vimos, a função do intermediário é atuar em favor dos interesses da parte que representa perante o mercado do futebol, de forma ética e idônea, devendo sempre observar as normas e diretrizes do Regulamento Nacional de Intermediários.

link: Empresário de jogador de futebol - Regras da CBF para os Intermediadores - YouTube

[1] Morre Mino Raiola, empresário influente do futebol (terra.com.br)

 
 

Publicado artigo na Revista de Direito Privado, vol. 113 , jul-set. 2022

Foi recentemente publicado, na Revista de Direito Privado volume 113, de julho a setembro de 2022, um artigo intitulado: "SISTEMA JURÍDICO E REFORMAS LEGISLATIVAS: ATÉ QUE PONTO A REFORMA E A UNIFICAÇÃO DO REGIME DAS GARANTIAS REAIS CONTRIBUI AO APERFEIÇOAMENTO DAS INSTITUIÇÕES E À DECIDIBILIDADE DOS CONFLITOS?", de autoria de André Furtado de Oliveira.

A Revista é uma publicação trimestral, coordenada pelos Professores Nelson Nery e Rosa Maria Nery, ambos da PUC-SP.

O artigo trata da tentativa de sistematizar as normas de garantias reais a partir de um debate de reforma legislativa iniciado em janeiro de 2021 por um Grupo de Estudos composto por juristas convocados pelo Congresso Nacional.

Considerando as discussões em meio acadêmico geradas pela reforma, o Autor decidiu estudar até que ponto a inserção de novas normas podem contribuir para a decisão dos conflitos relacionados às garantias reais, tais como a hipoteca e o penhor.

A íntegra do artigo está disponível para consulta aos assinantes da Revista de Direito Privado e aos assinantes do produto digital RT Online, da editora Revista dos Tribunais, controlada pela empresa Thomson Reuters.

Boa leitura e um especial agradecimento ao Prof.º Nestor Duarte, à Prof.ª Rosa Nery e aos editores da Revista dos Tribunais!

 
 
 
 
 
 

André Furtado de Oliveira

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