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As implicações jurídicas da declaração de "crush" (22/10/2019)

Recentemente, chegou-nos a consulta uma pessoa que se sentiu constrangida ao ser apontada como "crush".

Na gíria americanizada, "crush" é uma pessoa que te desperta paixão súbita.

Ocorre que, nos meios digitais, a utilização de imagem alheia com a identificação da expressão "crush" pode causar alguns incômodos à pessoa humana.

A grande questão é saber se este incômodo pode consubstanciar em constrangimento, a surgir um dano a direito de personalidade.

Normalmente, e na maioria das vezes, a designação de "crush" é vista como algo positivo, demonstrando alguma qualidade da pessoa que faz com que outra a enxergue como objeto de paixão súbita. Também, as pessoas apontadas como "crush" em muitos casos são públicas (atores, atrizes, escritores, modelos etc).

Há situações, todavia, em que o "crush" não é pessoa pública e pode não gostar desse apontamento. Nesse proveito, é interessante diferenciar duas situações:

Uma primeira em que há a simples menção - ex: fulano é meu "crush"!

Uma segunda em que há divulgação de foto íntima ou não autorizada com a identificação "crush".

Nesta segunda, há o tratamento da divulgação de imagens não autorizadas, cabendo ao titular proibi-la e pedir indenização pelo uso indevido.

A primeira situação é mais complicada. Isso porque cada pessoa tem uma reação diferente. Há pessoas que se sentem constrangidas ou invadidas em sua privacidade. A declaração de paixão súbita pode não só incomodar mas trazer constrangimento, ainda que sem uso de imagem autorizada.

Há diversas motivações para não querer esta divulgação. Entre elas, podemos citar: a) estar em um relacionamento; b) não corresponder afetivamente a outra pessoa; c) ser instado a dar qualquer resposta ao declarante; d) não revelar seus desejos pessoais; e) não querer expor-se em rede social; f) se sentir objeto de uma revelação íntima.

Mais uma vez, a questão é saber o grau de constrangimento, ou grau de violação aos direitos próprios da personalidade humana: honra, imagem, dignidade.

Particularmente, entendo que deve ter uma motivação muito plausível para não ter gostado da declaração, provocando efeitos consideráveis, tais como a quantidade de comentários, curtidas etc. Todo um arcabouço de consequências que geram uma exposição ainda maior.

Cabe ao juiz verificar as circunstâncias do caso concreto, a fim de dirimir dúvidas sobre a existência de dano moral. Normalmente, os próprios detalhes do caso são aptos a chegar a uma conclusão razoável e justa.

Contratos coligados (04/10/2019)

Atualmente, devido à complexidade dos negócios, as pessoas e, principalmente, sociedades empresárias contratam não apenas a partir de um único contrato, mas sim a partir da conjugação de vários contratos.

Os contratos coligados são expressão dessa complexidade e nada mais são que contratos que possuem uma dependência entre si, seja ela unilateral ou recíproca.

Em verdade, trata-se, na maior parte das vezes, de uma única operação econômica que se viabiliza a partir de dois ou mais tipos contratuais.

Segundo Rodrigo Xavier Leonardo, uma das principais referências sobre o assunto na doutrina nacional, cuida-se de “uma pluralidade de contratos e de relações jurídicas contratuais estruturalmente distintos, porém vinculados, ligados, que compõem uma única e mesma operação econômica, com potenciais consequências no plano da validade (mediante a eventual contágio de invalidades) e no plano da eficácia (em temas como o inadimplemento, o poder de resolução, a oposição da exceção de contrato não cumprido, a abrangência da cláusula compromissória, entre outros)”.

Como exemplo podemos citar a compra e venda de bens domésticos nos grandes magazines do Brasil. De um lado, temos um contrato de compra e venda, em que o consumidor é o adquirente do produto e a loja é a vendedora. Ocorre que nem sempre o consumidor tem dinheiro para pagar o produto à vista. Aí entra o contrato de financiamento ou empréstimo, em que uma instituição financeira paga o valor total e financia ao consumidor em parcelas mensais. Veja-se que numa mesma operação, dois contratos estão presentes: um de compra e vendo e o outro de mútuo (financiamento).

Isso também acontece em operações mais complexas, cujos arranjos se diversificam em função da criatividade das partes. Francisco Marino, em obra paradigmática sobre o tema, refere-se ao contrato de locação de posto de gasolina e distribuição de combustível. Daí surgem problemas, como por exemplo, identificar se cabe ação de despejo.

Os contratos coligados normalmente devem ser interpretados em conjunto, pois, como se disse, trata-se da mesma operação econômica. Essa coligação pode ser estabelecida pela lei ou pela vontade das partes.

Importante que se um dos contratos tiver cláusula arbitral, o outro seguirá a mesma sorte, tendo que ser discutido em alguma câmara de arbitragem.

Consequência da coligação contratual é o que os operadores do direito chamam de derrogação do tipo jurídico. Isto quer dizer que, embora dois contratos tenham tipos diferentes e sua qualificação previstas na lei, nem todas as regras seguirão cada uns dos tipos que a lei prevê. Isso porque os dois contratos coligados acabam por se transformar em um todo indivisível, impossibilitando sua classificação em uma das hipóteses normatizadas.

Os chamados contratos coligados acabam por revisitar o conceito de parte e de terceiro. Em razão de haver dois contratos com partes diferentes, essas partes acabam exercendo uma dupla função. A primeira função contratual e uma segunda função supracontratual, que diz respeito a operação econômica como um todo. Assim, passa-se cada vez mais, em determinadas circunstâncias, haver a possibilidade de uma parte exigir o cumprimento de uma obrigação de quem não integra o mesmo contrato – é a denominada ação direta.

Enfim, os contratos coligados são expressão de um novo tempo, e cabe ao advogado poder extrair do conjunto de contratos a interpretação mais consentânea à operação econômica global, e não necessariamente à interpretação dos contratos em separado.

Bibliografia

LEONARDO, Rodrigo Xavier. Os contratos coligados, os contratos conexos e as redes contratuais. In: CARVALHOSA, Modesto. Tratado de Direito Empresarial – tomo IV. São Paulo: RT, 2016. P. 459.

MARINO, Francisco Paulo de Crescenzo. Contratos coligados no direito brasileito. São Paulo: Saraiva, 2010.

Advocacia especializada em ser humano (26/07/2019)

Hoje, gostaria de falar um pouco mais a respeito da advocacia. A advocacia é uma profissão muito antiga. Desde Roma, já havia advogados. Cícero foi um dos mais renomados e ilustre advogado. Além de seu conhecimento jurídico, destacou-se pelo entendimento do cidadão frente às arbitrariedades do poder.

O direito, assim como a advocacia, também é antigo. Etimologicamente, a palavra advogado vem do vocábulo latim ad vocatus. Com a palavra. Exercer a advocacia é, sobretudo, ter a palavra como ponto de combate, ponto de esclarecimento e ponto de justiça.

Nem sempre falar é estar com a palavra. Estar com a palavra significa ouvir, meditar, raciocinar e agir. É um processo e não um simples ato. A palavra é fruto do homem, criada pelo homem e usada pelo homem. Portanto, a palavra é naturalmente humana, e, estar com a palavra, é antes de tudo ser humano. E ser humano não tem sido fácil na correria do dia a dia, nos noticiários e naquilo que se tem visto ultimamente.

Lapidar esta humanidade exige experiência e tempo. E não falo do tempo exatamente contado em anos ou décadas. Falo de um tempo de cada um. Advogar e ser humano são coisas diferentes. São círculos com alguns pontos de intersecção. Ser humano não é só para quem tem a Ordem. É um exercício diário. Estar no fronte todos os dias. Não se deixar abater por indeferimentos, burocracia e assoberbamento de processos. É antes confiar no trabalho de cada dia, nesse processo que é ser humano.

Por mais que nós advogados saibamos a lei, que estudemos os livros, que frequentemos palestras, congressos e aulas, a advocacia e a humanidade têm se mostrado para aqueles que lidam diretamente com problemas reais, disputas, patrimônio, rinhas para não dizer mais. É uma profissão naturalmente conflituosa, onde as pessoas já entram armadas de sentimentos, de preconceitos, de ressentimentos, de cansaço, de emoção, de paixões e outras tantas cargas psicossomáticas.

Cabe, muitas vezes, ao advogado filtrar o que realmente importa. Escutar ativamente. Perceber, raciocinar e muitas vezes entender o que está escondido, a causa das aflições humanas.

Nem sempre a citação de um parágrafo ou a transcrição de um artigo resolverá o contexto situacional e problemático. Às vezes, somente a escuta é o passo para resolução.

O advogado precisa entender que não está sempre no controle, muito embora algumas vezes o esteja. Estar com a palavra não significa falar e resolver. Mas saber usá-la, se e quando necessário. A comunicação nem sempre é verbal. Um olhar vale mais que mil palavras.

Então, às vezes me pergunto se esta noção está clara. Se estas percepções estão certas. Acredito que sim. É o que venho percebendo. Afinal, advogar é muito mais que imaginamos: é luta, é vitória, é derrota, é se levantar, pedir ajuda, ser humilde, não se abater, fugir, voltar. É mais sobre ser humano que sobre técnica. A técnica ajuda muito. O estudo também. Como diria Piero Calamandrei, a poesia sempre vence os códigos.

Mas antes, há de ser humano, e reconhecer-se em outro ser humano, seja no cliente, na parte contrária, no juiz, no servidor, nas pessoas em geral.

Seguro de vida e aumentos abusivos contra idosos (06/08/2019)

Nem todo mundo contrata seguro de vida. Trata-se, no entanto, de uma contratação altruísta, cujo fim principal é assegurar que certas pessoas receberão um benefício econômico com a morte do segurado ou com sua incapacidade absoluta.

O seguro de vida pode ser oferecido pela companhia de seguros de forma individual ou em grupo. Nesse contrato, o segurado deve pagar um preço mensal, também chamado de “prêmio” ou “mensalidade”. Em contrapartida, a Seguradora deve garantir o pagamento do capital segurado.

Normalmente, o contrato é formado por meio de uma base econômica objetiva, para se chegar ao valor inicial do prêmio e do capital segurado, prevendo, também as formas de reajuste da prestação de cada uma das partes.

Em sua maioria, os contratos são reajustados pelo IGPM e em função da idade do segurado. Porém, esse reajuste pode ser abusivo muitas das vezes, discriminando idosos e impedindo que, com o passar dos anos, eles permaneçam no contrato.

As seguradoras normalmente tendem a justificar aumentos abusivos em função do aumento do risco conforme o segurado envelhece. Aliás, a própria ANS, em uma de suas normas regulamentares, permite esse aumento.

Contudo, de acordo com as peculiaridades do caso concreto, tem-se visto que o reajuste pelo IGPM somado ao reajuste em função da idade afiguram-se extremamente altos diante do capital segurado (este que só é reajustado em função do IGPM ou IPCA), fazendo com que o contrato perca o equilíbrio econômico que possuía no início.

O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6.º, V, permite que os contratos, que envolvam relação de consumo, sejam revistos quando as prestações se tornarem desproporcionais. Isso tem feito com que segurados idosos têm ingressado na justiça com ações pleiteando a redução de prêmios insustentáveis.

Inclusive, o Superior Tribunal de Justiça sedimentou entendimento que é discriminatório o reajuste em função da idade para segurados idosos que já estejam há mais de 10 anos no vínculo contratual. Devendo-se excluir, a partir do 11º ano o reajuste em função da idade, chegando-se a um novo valor de prêmio só com o reajuste anual do IGPM ou INPCA.

Além disso, cabe a devolução das quantias pagas a maior no último ano, tendo a seguradora que restituir ao consumidor as diferenças dos últimos doze prêmios, devidamente corrigidas.

Em que pese o entendimento da Corte Superior, nem todos os juízes têm aplicado a lei, nesses casos, de maneira uniforme, o que provoca uma certa insegurança jurídica. Ou seja, em casos semelhantes ou muito parecidos, pode-se ter decisões em um ou outro sentido.

O consumidor que estiver se sentindo lesado deve primeiramente se munir de todos os documentos necessários e consultar um advogado cível. Este profissional analisará as nuances do caso concreto e, certamente, orientará seu cliente à melhor forma de resolver o problema instaurado.

Responsabilidade civil no Brasil (19/06/2019)

Muito se ouve falar sobre responsabilidade civil, mas pouco se sabe. Trata-se de uma das situações mais comuns na ordinariedade da vida.

Quem não é da área do Direito certamente já passou por uma situação que envolve responsabilidade civil, mas não consegue identificar que se trata disso.

Um exemplo mais comum é o acidente de trânsito. Temos uma pessoa que comete um ato e um resultado danoso (na maioria das vezes, um carro amassado ou um membro quebrado). Além disso, temos um nexo de causalidade, que significa a ligação entre a ação do causador do evento e o resultado danoso.

Assim, a responsabilidade civil é um instituto jurídico que serve para recompor os danos sofridos pela vítima. Este instituto jurídico nada mais é que a imputação dos danos ao agente causador do evento, fazendo com que ele recomponha os prejuízos sofridos.

A responsabilidade civil sempre teve como paradigma o dolo e a culpa. Ou seja, só se é imputada a responsabilidade ao agente que agiu com intenção de causar o dano ou ainda quando atuou de forma negligente, imprudente ou imperita.

Quanto à sua previsão legal, podemos verificar as normas que dizem respeito à responsabilidade civil no Código Civil (Lei 10.406/2002).

Primeiramente temos a definição de ato ilícito, previstas nos arts.186 e 187 do Código Civil:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Posteriormente, temos a previsão de responsabilidade civil no mesmo Código:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Temos, ainda, a responsabilidade civil também no âmbito contratual:

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Desse modo, a responsabilidade civil é definida de forma bem abrangente, de forma a acolher inúmeras situações da vida.

Por outro lado, os danos que devem ser reparados dividem –se em danos patrimoniais (ligados ao patrimônio material do sujeito) e danos extrapatrimoniais (onde se incluem os danos morais, ligados, por exemplo, a honra, a dignidade e a imagem da pessoa).

Os danos morais, embora não quantificáveis, podem ser recompensados a partir de uma soma em pecúnia. Eles estão previstos, tanto na Constituição Federal (art. 5.º, X), quanto na legislação infraconstitucional (Código Civil – art. 12, Código de Defesa do Consumidor – art. 6.º, VI etc).      

Com o passar do tempo, contudo, pelo desenvolvimento tecnológico e o surgimento de novas atividades , foi aos poucos admitindo-se a responsabilidade sem a culpa ou o dolo . Ou seja, em certas situações não é preciso aferir estes elementos, porque pelo próprio risco ínsito à atividade o agente pode responder pelos danos causados.

Isso se verificou muito nos contratos de transporte de passageiro, primeiramente na atividade ferroviária, a partir de um Decreto de 1912. Pouco importava se o transportador causou um acidente de forma intencional ou culposa, porque, pelo próprio risco da atividade, ele responde pelos danos causados ao passageiro durante o trajeto.

Essa responsabilidade é denominada objetiva, em contraposição à denominada responsabilidade subjetiva. Isso se espraiou para outras áreas, como por exemplo a relação de consumo e as atividades ambientais e nucleares. Dessa forma, o consumidor, que tivesse algum dano causado por acidente de consumo, poderia ser ressarcido sem provar a culpa do fornecedor do produto.

Enfim, inúmeras são as aplicações da responsabilidade civil, inclusive no âmbito da atividade estatal (art. 37,§ 6.º, da CF/1988), e cabe ao advogado identificar os elementos que a compõem, saber usar as provas necessárias e escolher o melhor método de solução de conflitos para o caso concreto.

 

André Furtado de Oliveira

André Furtado de Oliveira Sociedade Individual de Advocacia
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