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Paternidade e filiação socioafetivas (02/05/2019)

O sistema jurídico pátrio, especialmente o ramo do Direito de Família, reconhece diferentes tipos de vínculo de parentesco. A paternidade e a filiação normalmente se constituem pela consanguinidade, que é a afinidade por laços de sangue. Ou seja, é a relação entre pai e filho que se constitui de maneira biológica, por meio da reprodução sexual entre um homem e uma mulher. Dessa relação origina um ser humano, com carga genética provinda do DNA de sua mãe combinado ao de seu pai. Sob a ótica do Direito, pelo ponto de vista do filho, sua relação com o pai é denominada de filiação biológica. Pelo ponto de vista do pai ou da mãe, sua relação com o filho é denominada de paternidade ou maternidade biológica.

Acontece que a paternidade e a filiação não se constituem apenas pelo fator biológico da reprodução sexual. O Direito de Família reconhece vínculos sociais e afetivos. A máxima “pai é quem cria” surte efeitos no campo do Direito. Assim, a paternidade e a filiação ganham uma dimensão muito maior, que ultrapassam os muros da Biologia, atingindo os campos da Sociologia, com base na ideia de afetividade social.

Destarte, pode-se dizer que a paternidade e a filiação surgem também através de fatos sociais, reconhecidos pelo Direito, que unem pai e filho que não possuem vínculo sanguíneo entre si. Mas, o seu vínculo é constituído pelo afeto, carinho, cuidado, amor e proteção. É o que o Direito chama de “paternidade socioafetiva” e “filiação socioafetiva”.

Existem normas jurídicas que sustentam a paternidade e a filiação socioafetivas. Não podemos nos olvidar antes dos mandamentos constitucionais. A Constituição Federal da República Brasileira de 1988 consagrou a família como instituição essencial ao desenvolvimento da pessoa humana, principalmente da criança e do adolescente. Assim, com fundamento no princípio da proteção integral da criança e do adolescente, a CF prestigiou os vínculos de afeto formados no seio familiar, conforme disposto em seu art. 227, caput,

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Como se não bastasse, o § 6.º do mesmo art. 227, consagra a equiparação de direitos entre os filhos havidos ou não do casamento,

Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

É de se dizer, ainda, que o o parágrafo supramencionado se refere à adoção, espécie de vínculo jurídico não biológico, de procedimento regulado pela Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 – Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), formado entre pai e filho que não possuem consanguinidade, muito embora tenham o vínculo socioafetivo que criam as figuras jurídicas da paternidade e filiação socioafetivas.

Nesse diapasão, cabe transcrever os preceitos insertos na regra trazida pelo art. 41 do ECA,

A adoção atributiva condição de filho ao adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive sucessórios, desligando-o de qualquer vínculo com pais e parentes, salvo os impedimentos matrimoniais.”

Pode-se extrair, então, que a adoção, além de conceder ao filho adotivo os mesmos direitos e deveres concedidos ao filho natural, desliga os vínculos biológicos anteriores com pais e parentes. Prestigia-se, assim, o nova constituição familiar de afeto.

Além disso, é importante ressaltar os artigos concernentes à matéria estudada do Código Civil. Nele, especialmente no artigo 1593, vê-se a noção de parentesco atual:

O parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.”

Clara se vê a abordagem legislativa do tema. O Direito Civil prevê que o parentesco pode ter outra origem que não a consanguinidade. E, mais adiante, observam outros dispositivos que assentam ainda mais a noção de paternidade não biológica, tais como a norma disposta no art. 1597:

Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos:

(...)

V - havidos por inseminação artificial heteróloga, desde que tenha prévia autorização do marido.

Ou seja, o legislador consagrou a ideia de que a paternidade pode ser concebida por meio da inseminação artificial heteróloga, que é aquela em que a carga genética masculina provém de outro homem fora da relação matrimonial. Assim, apesar de o filho não possuir descendência biológica e genética do pai, o Direito previu a paternidade jurídica, com base no fundamento social e do vínculo de afeto que se desenvolverá no seio familiar.

Não só a lei, como a doutrina e a jurisprudência pátria, consagram a ideia da paternidade e da filiação socioafetivas, as quais, em muitos casos, podem se sobrepor até mesmo à paternidade biológica. Ocorre isso porque a sociedade é cultural. A cultura molda as relações humanas. Prestigia-se muito mais os laços culturais que os laços biológicos, e, com base no princípio da proteção integral da criança e no princípio do melhor interesse do menor, os vínculos sociais e de afeto preponderam sobre os vínculos de sangue. O carinho, o cuidado, a proteção, a segurança, entre outros valores, são concernentes ao vínculo afetivo entre pai e filho.

Tais valores são indispensáveis e devem ser o norte da relação entre pais e filhos, em virtude de trazerem maior bem-estar ao menor e propiciar melhores condições ao desenvolvimento pleno da criança e do adolescente.

De acordo com Maria Berenice Dias, a filiação socioafetiva corresponde à verdade aparente e decorre do direito à filiação. O filho é titular do estado de filiação, que se consolida na afetividade. Não obstante, o art. 1.593 evidencia a possibilidade de diversos tipos de filiação, quando menciona que o parentesco pode derivar do laço de sangue, da adoção ou de outra origem, cabendo assim à hermenêutica a interpretação da amplitude normativa prevista pelo CC de 2002. [1]

Por outro lado, Orlando Gomes manifesta que a posse do estado de filho constitui-se por um conjunto de circunstâncias capazes de exteriorizar a condição de filho legítimo do casal que cria e educa. Contudo, ainda entende, ser através da procriação ou adoção que se estabelece o estado de filho quando menciona que este resulta da procriação, no casamento, ou fora dele, ou de ficção legal consistente na adoção. Para Orlando Gomes, o estado de filiação tem sua origem na genética ou na presunção jurídica. [2]

Alinhando-se à consagração da paternidade socioafetiva os Tribunais têm entendido o seguinte acerca do tema:

“EMENTA: APELAÇÃO. ADOÇÃO. Estando a criança no convívio do casal adotante há mais de 4 anos, já tendo com eles desenvolvido vínculos afetivos e sociais, é inconcebível retira-la da guarda daqueles que reconhece como pais, mormente, quando a mãe biológica demonstrou interesse em dá-la em adoção, depois se arrependendo. Evidenciado que o vínculo afetivo da menor, a esta altura da vida encontra-se bem definido na pessoa dos apelados, deve-se prestigiar, como reiteradamente temos decidido neste colegiado, a PATERNIDADE SOCIOAFETIVA, sobre a paternidade biológica, sempre que, no conflito entre ambas, assim apontar o superior interesse da criança. Negaram Provimento” (TJRS. Apelação Cível nº 000190039. Sétima Câmara Cível. Relator: Des. Luiz Felipe Brasil Santos. Julgado em 02/05/2001). 

Para ilustrar a efetivação do princípio nos Tribunais, tem-se o caso do menino Sean Richard Goldman, que é disputado pelo pai biológico e o pai socioafetivo (padrasto). De acordo com recente decisão proferida pelo Ministro do Supremo Tribunal Federal, Marco Aurélio, suspendeu sentença que determinou o envio do menor brasileiro Sean aos Estados Unidos. [3]

Em sua fundamentação, dentre outros, encontra-se o direito a dignidade humana, bem como a prevalência dos interesses de Sean, possibilitando assim, o desenvolvimento harmonioso de sua personalidade, crescendo no meio familiar a que está vinculado, em clima de felicidade, de amor e de compreensão. [4]

Desse modo, pode-se invocar a afetividade em duas perspectivas: como fundamento para o estabelecimento de vínculos paterno-filiais e como forma de impedir o rompimento destes mesmos vínculos, impossibilitando a sua desconstituição. [5]

Nas constituições da família moderna, o afeto é a essência da formação humana, que nasce com a convivência, propiciando o desenvolvimento saudável, adequando o homem ao meio social. Para José Sebastião de Oliveira, a afetividade faz com que a vida em família seja sentida da maneira mais intensa e sincera possível, e isto só será possível caso seus integrantes vivam apenas para si mesmos: cada um é contribuinte da felicidade de todos.[6]

Não há como se exercer a paternidade, biológica ou não, sem a presença do afeto, norteando a relação, partindo-se do pressuposto que a família é um instrumento de realização do ser humano. [7]

Pertinente se faz, para concluir, trazer o estudo e o pensamento de Maria Christina de Almeida:

É fato que o elo biológico que une pais e filhos não é suficiente a construir uma verdadeira relação entre os mesmos. Basta verificar nas demandas de paternidade, que, muitas vezes, o filho conhece seu pai por meio de DNA, mas não é reconhecido por ele por meio do afeto. [...] É necessário construir o elo, cultural e afetivamente, de forma permanente, convivendo e tornando-se, cada qual, responsável pelo dia após dia. Tais reflexões demonstram que se vive hoje, no Direito de Família contemporâneo, um momento em que há duas vozes soando alto: a voz do sangue (DNA) e a voz do coração (AFETO). Isto demonstra a existência de vários modelos de paternidade, não significando, contudo, a admissão de mais de um modelo deste elo a exclusão de que a paternidade seja, antes de tudo, biológica”.[8]

 

[1] http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9280 > acesso em 27.04.2014

[2] Idem 1.

[3] Idem 1.

[4] Idem 1.

[5] Idem 1.

[6] Idem 1.

[7] Idem 1.

[8] ALMEIDA, Maria Christina de. A paternidade Socioafetiva e a formação da personalidade. Disponível em: < http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=54> Acesso em 27.04.2014.

O que fazem os advogados que atuam na área cível? (14/04/2019)

Muitas pessoas têm dúvidas a respeito do que fazem os advogados cíveis e, muitas vezes, receiam em perguntar. Isso é absolutamente normal, até porque quem não é formado em direito não tem obrigação de saber.

Mas vamos ao ponto. Os termos “civil” ou “cível” têm o mesmo ramo: civilis ou civitas, palavra de origem romana que vêm de cidade ou civilidade.

O fato é que sua origem nos remete às relações estabelecidas entre os cidadãos. Num primeiro momento, os homens procuravam se relacionar de forma espontânea, com objetivo de sobrevivência. Havia pactos de trabalho, de negócios, questões de casamentos, dotes, propriedade, etc.

Essas relações se intensificaram com a Revolução Industrial e a urbanização, mas, desde Roma Antiga, o direito civil já existia, posto que havia regulação dessas relações.

Com a especialização do direito, especialmente a diferenciação entre direito público e direito privado, foi-se verificando o surgimento de ciências jurídicas autônomas, sendo estudadas de forma separada.

Hoje em dia, têm-se vários ramos do direito: direito civil, direito penal, direito administrativo, direito tributário, direito do trabalho, direito empresarial, direito ambiental, direitos humanos. Desse modo, é comum os advogados se especializarem numa determinada área, muito embora seja necessário ter algum conhecimento basilar de todas.

Ou seja, o advogado, como prestador de serviços a pessoas físicas ou jurídicas, teve que se especializar, adequando-se à própria especialização e complexidade da sociedade.

Além disso, a economia e o mercado, por regularem questões patrimoniais de grande importância, cujos interesses também precisam ser protegidos juridicamente, acabou por influir nas atividades jurídicas.

Nesse sentido, cresce até mesmo as especializações não só por áreas do direito, mas também por áreas de negócios, sendo comum ouvir que tal advogado trabalha no setor de energia, mineração, aeronáutico, marítimo, etc.

Voltando ao tema do artigo, a rigor, o advogado cível trabalha com questões que envolvem os particulares, onde o direito civil se destaca como o principal objeto deste ramo de atuação. Sua atuação pode ser consultiva ou contenciosa. Na primeira, há atividades extrajudicias, tais como consultas, pareceres, elaboração de contratos. Já na segunda, há litígios (judiciais, arbitrados ou outros métodos de solução de controvérsias) que tratam de questões de personalidade civil, obrigações, contratos, propriedade, família e sucessões, por exemplo.

Veja-se que todos esses assuntos dizem respeito ao cidadão e suas relações particulares.

Por isso que o advogado cível não é aquele profissional familiarizado com questões criminais, tributárias, trabalhistas, ambientais. É, entretanto, um dos ramos cujas demandas são infinitas, já que toda pessoa, desde seu nascimento até sua morte, se subsume a várias das normas do Código Civil. Assim, é comum até mesmo haver especializações dentro do direito civil, basta ver que há advogados com atuação em contratos, em direito de família, em sucessões, etc.

Problemas envolvendo direito do consumidor (06/04/2019)

Quem nunca teve problema com um produto comprado ou um serviço mal prestado? É difícil responder não, pois a todo momento nos envolvemos com o mercado de consumo. Nós, consumidores, estamos inseridos numa sociedade hiperconsumista. Isso não é de todo bom nem de todo ruim. Se por um lado temos mais acesso a bens e serviços, por outro lado estamos cada vez mais suscetíveis aos problemas ocorridos nesse tipo de relação.

O consumidor é tratado pela legislação brasileira, assim como pelas legislações de outros países, como pessoa vulnerável na relação de consumo. Essa tratativa tem sua razão de ser já que a pessoa que compra no mercado não tem conhecimento técnico total a respeito do objeto de seu negócio.

Tomemos o exemplo de um carro. Por mais que o consumidor entenda do setor automotivo, nem sempre se sabe todos os detalhes e especificações que envolve a produção e comercialização de todo o maquinário. Tal inaptidão a lei presume em favor do consumidor, a que se chama de vulnerabilidade técnica, de modo que todos os problemas que ocorram, sejam vícios de qualidade ou quantidade, serão responsabilizados ao fornecedor ou vendedor do bem, independentemente de se provar a culpa deste último.

Assim, o Código de Defesa do Consumidor consagrou a teoria da responsabilidade pelo risco da atividade. Trata-se de uma responsabilidade objetiva, que difere da subjetiva, justamente por não se perquirir a questão subjetiva do fornecedor, isto é, se tinha ele intenção ou não de causar o dano.

Além desse quesito, o Código de Defesa do Consumidor consagrou inúmeros outros direitos às pessoas que compram produtos ou serviços. Poucos sabem realmente quais seus direitos. Vale citar o direito de arrependimento quando a compra não é feita no estabelecimento da contratada, o direito à indenização pelos danos materiais e morais decorrentes da relação de consumo, o direito à informação e à publicidade adequada, o direito à substituição do produto defeituoso por outro de mesma espécie, ou então o abatimento proporcional do preço, ou ainda a devolução do valor pago com correção monetária e juros, entre outros.

Com essa especialização de normas voltados aos consumidores, o advogado deve estar sempre atento às inovações e se especializar na área. A tecnologia incentiva o surgimento de novas formas de consumo, como se vê na questão dos aplicativos onde se vendem serviços compartilhados (Airbnb, Uber, 99 etc.) e o profissional deve saber lidar com essas questões de forma dinâmica e eficiente.

A posse no direito brasileiro (08/04/2019)

Manifestação primeira do direito de propriedade é a posse. De acordo com o art. 1.196 do Código Civil: “Considera-se possuidor todo aquele que tem de fato o exercício, pleno ou não, de alguns dos poderes inerentes à propriedade”.

Insta ressaltar, porém, que nem sempre quem tem posse é o dono do bem. A pose, em verdade, é um estado de fato. De acordo com Orlando Gomes: “o possuidor, como esclarece Ihering, tem direito enquanto possui, de modo que, na posse, o fato é a condição permanente do direito.”

Interessante grifar que a posse não se confunde com a detenção. A posse é característica de quem é o dono ou de algum poder inerente à propriedade. Diferente, contudo, é a detenção. Esta significa um exercício em nome de outrem. Como exemplo, podemos citar o caseiro de um sítio ou um segurança de uma fábrica. Embora eles estejam na propriedade, eles detêm a posse em nome do dono.

Sobre a posse, têm-se várias classificações: posse justa ou posse injusta, posse direita ou posse indireta, posse de boa-fé ou posse de má-fé.

Posse justa é toda aquela que não possui vício. Por exclusão, posse injusta é aquela que contém vício: violência, clandestinidade ou precariedade.

Posse direta é a posse exercida de maneira imediata sobre o bem (é a posse do locatário). Já posse indireta é exercida de forma secundária (posse do locador).

Posse de boa-fé, como o próprio nome já diz, é aquela em que o possuidor desconhece existir qualquer vício em seu exercício de fato. Por outro lado, posse de má-fé é exercida quando o possuidor está consciente da ilegalidade de seu exercício.

Para proteger a posse, têm-se algumas ações, denominadas de interditos proibitórios. São eles: a manutenção de posse, a reintegração de posse e o interdito proibitório. Haveria uma quarta, sobre a qual doutrina e jurisprudência não entram em consenso: seria a imissão na posse.

O artigo 1.210 do Código Civil, menciona as referidas formas de defesa, nos seguintes termos: "possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado".

Tais ações são movidas por quem tem interesse na proteção da posse, cujo pedido e a causa de pedir são a posse em si. Elas são manejadas a fim de se evitar a turbação ou o esbulho, isto é, atos atentatórios ao livre exercício da posse. Hoje, estas ações estão disciplinadas nos arts. 554 a 568 do Código de Processo Civil.

O rito delas é especial, ou seja, sendo proposta dentro de um ano e dia, e estando a inicial devidamente instruída, poderá o juiz, mesmo sem ouvir o réu, expedir mandado liminar de manutenção ou reintegração. Caso contrário, determinará que o autor justifique, previamente, o alegado, bem como citando o réu para comparecer à audiência designada. A sua principal diferença para o rito comum é a possibilidade de concessão de medida liminar de ofício pelo juiz, sem a oitiva do réu, na chamada audiência de justificação.

Consoante regra prevista no art. 561 do Código de Processo Civil:

Incumbe ao autor provar:

I - a sua posse;

II - a turbação ou o esbulho praticado pelo réu;

III - a data da turbação ou do esbulho;

IV - a continuação da posse, embora turbada, na ação de manutenção, ou a perda da posse, na ação de reintegração.”

Na ação de reintegração de posse não basta a descrição da coisa possuída, ou a prova da propriedade, faz-se necessário provar a posse anterior do autor, o esbulho realizado pela parte ré e a consequente perda da posse. A produção de provas da posse não exige necessariamente provas documentais. Isso porque, trata-se ação em que se evidencia um rito diferente em virtude das circunstâncias de urgência. Assim, a prova testemunhal se faz de suma importância, uma vez que é por meio de vizinhos que se comprova a posse, a forma com que ela se deu e o período de habitação.

Evidentemente, a posse é algo que está sempre sendo objeto de discussão, pois é ela uma situação de fato muito comum no dia a dia. Assim, saber manejar os interditos possessórios é essencial ao advogado que pretende militar na área cível.

Aplicativos de transporte e motoristas: relação de emprego ou relação civil? (29/03/2019)

Muito se tem discutido se o motorista de aplicativo é empregado da empresa (Uber, 99, Cabify, etc).

Para saber se a relação é de emprego, é preciso ter em mente alguns conceitos, tais como o que é empregador e o que é empregado.

Para tanto, a CLT os define nos arts. 2.º e 3.º de seu texto. Vale transcrevê-los:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.

Assim, a partir dos textos normativos acima, pode-se depreender os requisitos para a configuração da relação de emprego, que são 05 (cinco):

  1. Pessoalidade: é necessário que o empregado trabalhe de forma pessoal, por sua própria pessoa, ou seja, não há outra pessoa que o substitua em todas suas funções;
  2. Subordinação: deve haver respeito ao superior imediato, o empregado está subordinado ao empregador;
  3. Habitualidade: é preciso que o trabalho se desenvolva continuamente de forma habitual, um ou dois dias na semana não caracterizam a habitualidade;
  4. Onerosidade: o serviço deve ser compensado por uma remuneração;
  5. Alteridade: ambas as partes devem tirar proveito da relação de emprego, sem a qual não há troca.

Segundo Adalberto Martins, ainda, “para que se verifique a condição de empregado há a necessidade de satisfação de um elemento subjetivo, qual seja, o animus contrahendi, ou seja, a intenção de trabalhar para outrem na condição de empregado e não com outra finalidade”.

Muito bem, ocorre que há entendimentos diversos nos tribunais. A 15ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo reconheceu a existência de vínculo de empregado entre Uber e um motorista. A relatora, desembargadora Beatriz de Oliveira Lima, afirmou que o motorista não possui verdadeira autonomia, devendo obedecer às regras de conduta impostas pela empresa.

A decisão mostra que ainda há uma divisão na Justiça do Trabalho em relação ao tema. No próprio TRT-2 há decisão em sentido contrário, pelo não reconhecimento do vínculo.

Alguns juízes entendem que o motorista de aplicativo age de forma independente, porque pode montar sua jornada de trabalho da forma como quiser. Desse modo, o requisito da subordinação não estaria presente, muito menos o da habitualidade, já que, caso bem entenda, pode trabalhar pouquíssimas vezes na semana.

Por outro lado, há juízes que entendem que o motorista é subordinado à empresa, porque não é ele quem escolhe o passageiro (apesar de poder recusar corridas), não é ele quem estabelece o preço da corrida, nem ele quem estabelece o procedimento etc.

Cabe observar, no entanto, que são pouquíssimas as decisões que entendem existir todos os elementos da relação de emprego acima no tocante ao motorista de aplicativo. Caso se reconheça o vínculo, a Uber/99 teria de registrar o contrato de trabalho na CTPS, recolher INSS, depositar FGTS, conferir férias, décimo terceiro salário, enfim, tudo aquilo pertinente a formalizar o vínculo de emprego.

Na minha opinião, não há relação de emprego.

Acredito que não se tenha configurado o requisito da subordinação, pois, por mais que haja orientações das empresas, definições de preço de corridas, há certa e razoável margem de liberdade aos motoristas, que escolhem quando começam a dirigir, se querem fazer determinadas corridas, quantas corridas fazem por dia, etc.

Também creio que a habitualidade não está totalmente caracterizada, pois há motoristas que trabalham apenas de final de semana, alguns meses não trabalham, a depender do caso.

Além disso, aplicar indistintamente a CLT a todos esses profissionais é extremamente desigual, o que aumentará ainda mais o preço do serviço ao usuário final, já que as empresas vão passar os custos do registro de emprego formal aos consumidores.

É necessário observar o contexto em que esta categoria está inserida. Muitas vezes, é uma forma de complementar a renda, algo esporádico, uma opção em caso de desemprego temporário etc.

Portanto, admito que a relação entre motorista e o dono do aplicativo é de natureza civil. Dessa forma, quaisquer discussões ou conflitos que dela emanarem, devem ser analisadas pela jurisdição civil.

Inclusive, se compararmos aos motoristas de taxi, todos são autônomos, e possuem apenas uma licença para fazer o transporte público de passageiros, a tarifa é regulamentada, assim como outros aspectos, cor do carro em cada estado, placa vermelha, necessidade de habilitação profissional, cursos de reciclagem.

Diante do exposto, deve-se regulamentar a atividade de motoristas de aplicativo por meio de legislação, mas não o Poder Judiciário definir se trata de relação de emprego ou não, pois isso além de desigual, poderá ser extremamente prejudicial aos consumidores, à livre concorrência e a liberdade de iniciativa das empresas.

 

Bibliografia

https://www.conjur.com.br/2018-ago-27/trt-sao-paulo-reconhece-vinculo-emprego-entre-uber-motorista . Acesso em 29.01.2019

DA SILVA, Homero Batista Mateus da Silva. Comentários à Reforma Trabalhista. Análise da Lei 13.467/2017 – artigo por artigo. São Paulo: Ed. RT, 2017.

MARTINS, Adalberto. Manual didático de Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

André Furtado de Oliveira

André Furtado de Oliveira Sociedade Individual de Advocacia
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