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Contrato de namoro e união estável (01/02/2019)

Hoje em dia, os relacionamentos estão diferentes quando comparados há tempos passados. Segundo Baumann, as relações são mais líquidas.

Atualmente, há formas de convivência em que os sujeitos moram juntos, dormem na casa dos pais ou possuem casas diferentes. Ou seja, há diversas configurações afetivas e, muitas vezes, o próprio namoro acaba se confundindo com a união estável.

Inúmeras dúvidas surgem, principalmente em saber qual o instante em que um simples relacionamento se torna uma união com caráter jurídico, já que, diferentemente do casamento, ambos (namoro e união estável) podem se formar de maneira espontânea, sem qualquer solenidade legal.

Sabe-se que uma relação afetiva pública, contínua, duradoura e com fins de constituição de família configura a chamada união estável, que, para Paulo Lôbo, “é um ato-fato jurídico” .

A lei não estabelece prazo mínimo nem pede que haja convivência sob o mesmo teto para configuração da convivência estável. Neste sentido, dispõe o art. 1.723 do CC/2002: “É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.”

Da norma acima, verificam-se três requisitos de ordem objetiva e um requisito de ordem subjetiva. Os requisitos objetivos consistem na convivência pública, duradoura e contínua. Por isso, entende-se um relacionamento (i) assumido aos amigos e familiares ou em sociedade, (ii) que não seja breve nem efêmero e (iii) que não tenha interrupções. Já o requisito subjetivo é a vontade das duas pessoas em constituir família, sendo esta a característica que a diferencia do namoro (neste, não há intenção de constituir família ou esta intenção é projetada no futuro). Vale mencionar que já se reconhece, desde 2010, a união estável homoafetiva, por decisão do Supremo Tribunal Federal (ADI 4227 e ADPF 132), não mais precisando preencher o requisito de os sujeitos serem homem e mulher.

Por outro lado, cabe dizer que a união estável, quando reconhecida, seja pela vontade das partes ou posteriormente pelo juiz, se os conviventes nada dispuserem em contrato, produz os mesmos efeitos de um casamento sob regime de comunhão parcial de bens .

Nesse tipo de regime, todos os bens do casal, a partir do início da união estável se comunicam, com exceção de alguns que a lei diz serem incomunicáveis (por exemplo: bens provenientes de herança). Isto é, a lei presume que os bens foram adquiridos a partir do esforço conjunto do casal. Dessa forma, qualquer elemento patrimonial que for adquirido na constância da união é de propriedade do casal, já os bens particulares adquiridos em momento anterior não se comunicam.  

Contudo, os companheiros têm liberdade para disporem outros regimes de bens que não o da comunhão parcial, inclusive fazendo regimes híbridos. Vale, nesse sentido, transcrever a lição de renomado civilista, Prof.º César Fiuza:

Admite-se contrato escrito, ainda que por instrumento particular, regulando essas relações patrimoniais. Nesse contrato, os companheiros têm ampla liberdade, não sendo imperativo que adotem um dos regimes de bens do casamento. Podem, inclusive, mesclar regras de regimes distintos. Na falta de contrato escrito, aplica-se à união estável o regime da comunhão parcial de bens, no que couber (art. 1.725 do CC). Na prática, é no que couber mesmo, uma vez que os companheiros têm total liberdade para administrar seu patrimônio individual, diferentemente dos cônjuges na comunhão parcial. Podem, por exemplo, dispor dos imóveis, ou prestar fiança, sem qualquer necessidade de autorização um do outro. Na vida real, ocorre com muita frequência de, durante a união estável, o patrimônio comum nem ser levado em conta. Isso só ocorre, isto é, esse patrimônio comum, adquirido pelo esforço de ambos, aparece e é partilhado apenas quando a união se extinga, seja pela morte ou pela separação. Na verdade, há muita semelhança com o regime de participação final dos aquestos.” (FIUZA, César. Direito Civil. Curso completo. 18 ed. rev., at. e ampl. São Paulo: RT, 2015. p. 1226).

Com efeito, muita gente, para se livrar de um possível reconhecimento de união estável, acaba por fazer um contrato de namoro. Já tem crescido o número de registros civis de namoro nos cartórios em todo o Brasil. Nesse tipo de documento, lavrado pelo Tabelião de Notas ou feito de forma particular, as partes preveem que sua relação não tem caráter de união estável, onde elas firmam um relacionamento sem efeitos patrimoniais e sem intenção de constituir família. Tal contrato pode prever algumas minúcias, até mesmo o tempo em que pretendem continuar namorando. Assim sendo, o patrimônio de um dos companheiros nunca será do outro, como acontece na união estável e no casamento com comunhão parcial ou total de bens.

Ou seja, a parte, que está apenas conhecendo a outra, tem uma segurança jurídica em relação a seu patrimônio. As pessoas tendem a pensar que isso é a antítese da relação amorosa. Mas, na verdade, ela é apenas a expressão da vontade de dois sujeitos maiores e capazes. Precisamos entender que as pessoas são diferentes, umas mais formais, outras menos. Não cabe a nós julgar o mérito de se fazer um contrato de namoro, mas apenas entender que pode acontecer e que seu uso é legítimo.

Decisão lavrada pelo Desembargador Alzir Felippe Schmitz, em acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Apelação Cível Nº 70032928004, Oitava Câmara Cível, Julgado em 11/03/2010), dispôs que: “não comungo da tese (...) de que os namoros atuais se destinem exclusivamente a relações sexuais. Acredito que o escopo ainda seja o mesmo que o de anos atrás: avaliar a compatibilidade do casal, as afinidades, os gostos, as características pessoais, enfim, conhecer o namorado para que, satisfeitas ambas as expectativas, o relacionamento “evolua” para um casamento ou algo que a ele se equipare”.

Segundo Zeno Veloso, o contrato de namoro “é uma declaração bilateral em que pessoas maiores, capazes, de boa-fé, com liberdade, sem pressões, coações ou induzimento, confessam que estão envolvidas num relacionamento amoroso, que se esgota nisso mesmo, sem nenhuma intenção de constituir família, sem o objetivo de estabelecer uma comunhão de vida, sem a finalidade de criar uma entidade familiar, e esse namoro, por si só, não tem qualquer efeito de ordem patrimonial, ou conteúdo econômico.”

A rigor, as pessoas que fazem um contrato de namoro buscam uma blindagem patrimonial, uma declaração de inexistência de relação jurídica e de ausência do elemento subjetivo da união estável, prevenindo-se de ulteriores responsabilidades. O documento pode ser particular ou lavrado por meio de escritura pública em cartório, o que é mais aconselhável. Trata-se de um procedimento preventivo e que começou a ser bastante utilizado na atualidade, embora seu número ainda seja pouco expressivo quando comparada à união estável.

Alguns doutrinadores, tais como a Prof.ª Maria Berenice Dias, entendem que tal contrato não possui validade, já que juridicamente não há previsão no ordenamento. Por outra banda, há autores que dizem que tal avença só produzirá efeitos se o namoro, de fato, refletir a realidade.

Além disso, existe a possibilidade também de se fazer um contrato híbrido com cláusula de evolução, conforme explica João Henrique Miranda Soares Catan, prevendo que, caso o namoro evolua para união estável, as partes fixam desde já que esta será com determinado regime de bens. Isto é, evolui-se do contrato de namoro para o contrato de convivência mediante implemento de uma condição (evento incerto e futuro – vontade de constituição de família). Esta cláusula é denominada pela doutrina de “cláusula darwiniana”, justamente por seu caráter evolutivo.

Portanto, inúmeras opções existem para aquelas pessoas que estão em relacionamento anterior ao casamento. Mas suas escolhas devem espelhar o que acontece no mundo dos fatos (já que a certidão de namoro ou união estável é uma presunção relativa - admitindo-se prova em contrário), não podendo uma união estável ser afastada por um contrato de namoro, nem o contrário.

 

Bibliografia

FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 18 ed. São Paulo: Ed. RT, 2015.

VELOSO, Zeno. http://www.ibdfam.org.br/noticias/6060/%C3%89+Namoro+ou+Uni%C3%A3o+Est%C3%A1vel%3F . Acesso em 24.01.2019.

www.tjrs.jus.br . Acesso em 01.02.2019.

André Furtado de Oliveira

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