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Aplicativos de transporte e motoristas: relação de emprego ou relação civil? (29/03/2019)

Muito se tem discutido se o motorista de aplicativo é empregado da empresa (Uber, 99, Cabify, etc).

Para saber se a relação é de emprego, é preciso ter em mente alguns conceitos, tais como o que é empregador e o que é empregado.

Para tanto, a CLT os define nos arts. 2.º e 3.º de seu texto. Vale transcrevê-los:

Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.

§ 1º - Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.

Art. 3º - Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.

Parágrafo único - Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.

Assim, a partir dos textos normativos acima, pode-se depreender os requisitos para a configuração da relação de emprego, que são 05 (cinco):

  1. Pessoalidade: é necessário que o empregado trabalhe de forma pessoal, por sua própria pessoa, ou seja, não há outra pessoa que o substitua em todas suas funções;
  2. Subordinação: deve haver respeito ao superior imediato, o empregado está subordinado ao empregador;
  3. Habitualidade: é preciso que o trabalho se desenvolva continuamente de forma habitual, um ou dois dias na semana não caracterizam a habitualidade;
  4. Onerosidade: o serviço deve ser compensado por uma remuneração;
  5. Alteridade: ambas as partes devem tirar proveito da relação de emprego, sem a qual não há troca.

Segundo Adalberto Martins, ainda, “para que se verifique a condição de empregado há a necessidade de satisfação de um elemento subjetivo, qual seja, o animus contrahendi, ou seja, a intenção de trabalhar para outrem na condição de empregado e não com outra finalidade”.

Muito bem, ocorre que há entendimentos diversos nos tribunais. A 15ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo reconheceu a existência de vínculo de empregado entre Uber e um motorista. A relatora, desembargadora Beatriz de Oliveira Lima, afirmou que o motorista não possui verdadeira autonomia, devendo obedecer às regras de conduta impostas pela empresa.

A decisão mostra que ainda há uma divisão na Justiça do Trabalho em relação ao tema. No próprio TRT-2 há decisão em sentido contrário, pelo não reconhecimento do vínculo.

Alguns juízes entendem que o motorista de aplicativo age de forma independente, porque pode montar sua jornada de trabalho da forma como quiser. Desse modo, o requisito da subordinação não estaria presente, muito menos o da habitualidade, já que, caso bem entenda, pode trabalhar pouquíssimas vezes na semana.

Por outro lado, há juízes que entendem que o motorista é subordinado à empresa, porque não é ele quem escolhe o passageiro (apesar de poder recusar corridas), não é ele quem estabelece o preço da corrida, nem ele quem estabelece o procedimento etc.

Cabe observar, no entanto, que são pouquíssimas as decisões que entendem existir todos os elementos da relação de emprego acima no tocante ao motorista de aplicativo. Caso se reconheça o vínculo, a Uber/99 teria de registrar o contrato de trabalho na CTPS, recolher INSS, depositar FGTS, conferir férias, décimo terceiro salário, enfim, tudo aquilo pertinente a formalizar o vínculo de emprego.

Na minha opinião, não há relação de emprego.

Acredito que não se tenha configurado o requisito da subordinação, pois, por mais que haja orientações das empresas, definições de preço de corridas, há certa e razoável margem de liberdade aos motoristas, que escolhem quando começam a dirigir, se querem fazer determinadas corridas, quantas corridas fazem por dia, etc.

Também creio que a habitualidade não está totalmente caracterizada, pois há motoristas que trabalham apenas de final de semana, alguns meses não trabalham, a depender do caso.

Além disso, aplicar indistintamente a CLT a todos esses profissionais é extremamente desigual, o que aumentará ainda mais o preço do serviço ao usuário final, já que as empresas vão passar os custos do registro de emprego formal aos consumidores.

É necessário observar o contexto em que esta categoria está inserida. Muitas vezes, é uma forma de complementar a renda, algo esporádico, uma opção em caso de desemprego temporário etc.

Portanto, admito que a relação entre motorista e o dono do aplicativo é de natureza civil. Dessa forma, quaisquer discussões ou conflitos que dela emanarem, devem ser analisadas pela jurisdição civil.

Inclusive, se compararmos aos motoristas de taxi, todos são autônomos, e possuem apenas uma licença para fazer o transporte público de passageiros, a tarifa é regulamentada, assim como outros aspectos, cor do carro em cada estado, placa vermelha, necessidade de habilitação profissional, cursos de reciclagem.

Diante do exposto, deve-se regulamentar a atividade de motoristas de aplicativo por meio de legislação, mas não o Poder Judiciário definir se trata de relação de emprego ou não, pois isso além de desigual, poderá ser extremamente prejudicial aos consumidores, à livre concorrência e a liberdade de iniciativa das empresas.

 

Bibliografia

https://www.conjur.com.br/2018-ago-27/trt-sao-paulo-reconhece-vinculo-emprego-entre-uber-motorista . Acesso em 29.01.2019

DA SILVA, Homero Batista Mateus da Silva. Comentários à Reforma Trabalhista. Análise da Lei 13.467/2017 – artigo por artigo. São Paulo: Ed. RT, 2017.

MARTINS, Adalberto. Manual didático de Direito do Trabalho. 5 ed. São Paulo: Malheiros, 2015.

André Furtado de Oliveira

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