Reflexões sobre a liberdade (16/12/2022)
A noção de liberdade é muita relativa. Devemos nos perguntar: livre em relação a que?
À ação? Ao acesso a bens? À locomoção? À opinião?
Em artigo jurídico, Tércio Sampaio Ferraz explica que a liberdade é uma desvinculação de algo, mas por outro lado é uma vinculação com outra coisa.
Melhor explicando, se eu sou livre do Estado, automaticamente estou me vinculando aos interesses particulares. Se eu tenho liberdade de opinião, ao exercê-la, estou me vinculando a ela e suas consequências.
Temos a ideia de liberdade como algo indefinido e infinito. Mas no mundo real as coisas não são bem assim.
Se eu escolher viajar o mundo, estou impulsionando minha liberdade geográfica, mas ao mesmo tempo me limitando ao quanto conseguirei bancar esta viagem.
Com o passar do tempo, o ser livre também passou por mudanças.
O livre arbítrio é concedido ao homem, mas há consequências.
O Estado Democrático de Direito garante uma série de liberdades aos indivíduos (art. 5.º, caput, IV, VI, VIII, IX, XV, XVI), onde há um espaço para exercê-las. Esses direitos são constitucionalmente protegidos, mas não são absolutos.
Isso significa que ao exercê-los, o homem deve entender, por viver em sociedade, que eles podem conflitar com direitos de outras pessoas.
Daí vemos que a liberdade pura e ideal não existe. A liberdade cobra um preço. É uma escolha que vincula às suas próprias consequências e se desvincula de inúmeras outras possibilidades.
Portanto ser livre exige consciência, razão. Epicteto diz : “Não adquirimos liberdade satisfazendo o que desejamos e sim eliminando nossos desejos”.
Por sua vez, Spinoza diz que “chamo ser livre quem se deixa guiar unicamente pela razão”.
Então a liberdade absoluta é um conceito irreal. Primeiro porque a escolha livre vincula-se a seu objeto, afastando os demais. Segundo, no caminho da liberdade, pela estrutura do mundo real, sempre haverá limitações de ordens diversas (financeiras, geográficas, interpessoais etc.). Terceiro porque liberdade sem razão é o próprio caos (libertinagem) e certamente vai trazer consequências que não te libertarão. E, por fim, o sentimento de liberdade não é eterno (por exemplo, ao impulsionar a liberdade de locomoção e fazer uma viagem, dependerá de recursos, os quais não são ilimitados).
Ou seja, tudo isso se resume na seguinte assertiva: a liberdade é sempre uma esfera de ação dentro de certas possibilidades.
No âmbito jurídico, eu gostaria de falar de liberdade de expressão ou de livre manifestação do pensamento, que é o termo empregado no art. 5.º, IV, da CF, sendo, portanto, um direito fundamental.
O direito fundamental sobrepõe-se ao interesse público. Essa é sua característica. Ele goza de proteção constitucional em um Estado Democrático como o brasileiro.
Mas como se sabe, como qualquer direito, ele não é absoluto, podendo sofrer mitigações em certos casos excepcionalíssimos, onde ele conflita com outros valores, direitos e princípios constitucionais.
Quando há esse conflito estamos diante de uma situação que precisa ser resolvida mediante ponderação pelo princípio da proporcionalidade.
Ou seja, considerando a definição de Alexy, de que os princípios são mandamentos de otimização, há diferentes graus de concretização desses princípios nesses casos excepcionais.
O abuso da liberdade de expressão pode acontecer, a ponto de uma pessoa instigar um crime, caluniar, difamar ou injuriar uma pessoa, cometer crimes de ódio ou preconceito racial, étnico, religioso, sexual. Assim, esta limitação não é concedida a priori, mas comina sanções pelo seu descumprimento.
A liberdade de expressão não abarca isso e nem poderia. Uma coisa é ter uma opinião sobre um fato. Outra coisa é emitir uma opinião que incite a violência, por exemplo.
Desta forma, observamos que no contexto social, todos os homens de alguma forma estão ligados e, para garantir a coesão social, a liberdade de um indivíduo, apesar de ser soberana, pode em alguns casos sofrer limitações ou sanções por descumprimentos.
A liberdade tem sempre um preço.