Indenização pela perda do tempo (26.10.2021)
O que você faz com seu tempo? Cronometra cada minuto ou simplesmente deixa ele passar sem se dar conta de que é importante? Na vida corrida, não paramos para pensar sobre o tempo, mas sim quais as preocupações que com ele surgem.
Em sua significação dicionária, o tempo é a duração relativa das coisas que cria o ser humano a ideia de presente, passado e futuro; período contínuo no qual os eventos se sucedem; ou o determinado período considerado aos acontecimentos nele ocorridos.[1]
Desde físicos até psicólogos, entre outros cientistas, tentam desvendar qual seria a sua essência: se é ilusão ou algo factível, dentre esses maiores expoentes está o conhecido Stephen Hawking que criou sua teoria própria sobre o tempo.
Mas também não sabemos se o tempo é um conceito dado por um ser que não está no mesmo nível que nós. É por isso que o tempo também é explicado pela teologia ou ciências da religião, sendo forte sua presença na Bíblia.
Em Eclesiastes, o Rei Salomão conta uma série de histórias pelas quais atravessou, para depois explicar que tudo que se passa nessa vida é como “correr atrás do vento”.
Veja-se:
“Examinei todas as obras que se fazem debaixo do sol e cheguei à conclusão de que tudo é inútil, é como uma corrida sem fim atrás do vento!”[2]
“Assim, nem o sábio nem o insensato serão lembrados para sempre pelas gerações futuras, ambos serão simplesmente esquecidos no tempo. Mas como pode o sábio morrer da mesma maneira que o insensato?”[3]
E o tempo é esta realidade escapante, intangível, porque quando nos damos conta, já passou. Construímos relógios precisos, ponteiros diligentes, mas pouco refletimos sobre o nosso tempo. Esse tempo onde os segundos não importam.
Pelos gregos, o tempo foi diferenciado em kairós e chronos. O primeiro significa o tempo do qual se fala aqui, onde as coisas acontecem sem datas definidas, segundo uma vontade superior ou uma vontade que amadurece no interior de cada pessoa. Já o segundo é aquele tempo cronometrado, segmentado pelos homens em anos, dias, horas, minutos, segundos e milésimos. Sobre este tempo chronos não se tem muito o que falar, pois a Matemática e a Física já o explicam.
O tempo do qual se fala não está sob o nosso controle. Muito pelo contrário: ele é um tempo indesejado, dado e indisponível. É um tempo de reação, pois não fomos nós quem o criamos. Esse tempo é extremamente irregular diante das lupas desse mundo. De altos e baixos, de trancos e solavancos, ele avança e anda em círculos não muito perfeitos. Cada pessoa tem o seu. E, na vida, ele vai ganhando forma: não pergunta se pode entrar nem se pode sair. Esse tempo não faz aniversário. É um tempo de amar, de construir, de edificar. Tempo em vão? Não, apenas um tempo incontrolável.
Recentemente, li um livro bem curto com o seguinte título “O Presente Precioso”, a obra é do autor Spencer Johnson. Conta-se a história de um menino que conhece um velho sábio. O ancião explica ao jovem garoto que há um presente muito precioso que este precisa encontrar para continuar a ser feliz. Este presente, diz o velho, não se vê em sonho, não é algo material, mas um pequeno regalo que só a própria pessoa pode dar a si mesma.
O menino, com o passar dos anos, fica intrigado e não consegue descobrir o que seria esse presente. Aos poucos, o jovem vai se encontrando com a infelicidade. Nesse caminho, ele viaja, procura novos lugares e novas pessoas, mas não encontra aquilo que o velho sábio diz existir. Ele fica frustrado. Infelizmente, o tempo passa e ele só vem a perceber o que seria esse presente depois que cresce.
E esse presente é justamente o tempo presente. Este momento atual “do aqui e do agora”. Um momento que está em nossas mãos e que devemos aproveitá-lo como uma dádiva de Deus, pois, na realidade, não existe passado ou futuro. O único tempo que de fato é real é o presente É por isso que Johann Wolfgang von Goethe diz “o presente é um Deus poderoso”.
E sendo um presente tão precioso devemos aproveitá-lo e nos socorrer à lei quando o perdemos de forma inútil.
Nesse sentido, nas cordas bambas pelas quais caminha a humanidade, podemos perguntar: o que é o tempo para o Direito? Quais as consequências que sua perda pode gerar?
Fala-se muito, hoje em dia, de “tempo perdido” ou “tempo desperdiçado”. Nada mais é que uma situação jurídica experimentada por um sujeito num dado momento de sua vida. É aquele fato jurídico que provoca um dano consubstanciado na perda de um momento. Tempo este que poderia ter sido utilizado pelo sujeito de uma forma diferente e mais proveitosa se a situação normal daquele evento tivesse durado a medida certa.
E esta perda de tempo é provocada por uma pessoa que dá causa ao evento. Essa pessoa – física ou jurídica – é aquela que provoca o dano (a perda do tempo), pelo exercício de um direito de forma abusiva ou pela prática de um ilícito civil ou penal. Assim, o sujeito acaba por prolongar uma situação que deveria ter um prazo de resolução menor.
Isso acontece naquelas situações, por exemplo, em que o consumidor fica horas e horas ao telefone para cancelar um plano de dados da internet. Além da ligação telefônica que gera um custo enorme, o consumidor perde um tempo considerável na espera do atendimento. Tempo este que poderia ter sido utilizado em outras atividades, seja de trabalho ou lazer.
A jurisprudência admite, nesse sentido, a responsabilização do fornecedor de serviço, fazendo com que daí surja uma recomposição do dano pela perda do tempo. Isto é, aos consumidores dá-se o direito de haver uma indenização paga pelo fornecedor.
“APELAÇÃO CÍVEL - DANO MORAL - RELAÇÃO DE CONSUMO - TROCA DE PRODUTO - PERDA DE TEMPO - DESVIO DE PRODUTIVIDADE - LESÃO A DIREITO DE PERSONALIDADE. Não sendo o vício do produto sanado no prazo legal pode o consumidor optar pela substituição deste por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso (inteligência do artigo 18 do CDC). Sofre lesão a direito de personalidade o consumidor submetido a verdadeira via crucis para tentar exigir do fornecedor o cumprimento de sua obrigação, consistente na entrega do bem adquirido de acordo com as especificações contratadas e em perfeitas condições de uso. A perda de tempo do consumidor antes tratada como mero aborrecimento começou a ser considerada indenizável por parte dos Tribunais de Justiça, vez que não são raros os casos em que o consumidor é tratado com extremo descaso pelo Fornecedor. A indenização por danos morais deve ser fixada com observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Nos casos de responsabilidade contratual os juros de mora incidem a partir da citação” (TJ-MG - AC: 10145120165884001 MG, Relator: Estevão Lucchesi, Data de Julgamento: 23/05/2014, Câmaras Cíveis / 14ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 30/05/2014).
O tempo, para o direito, é aquele relacionado ao cronômetro, onde os segundos importam. É o chronos. Mas, na realidade, sabemos que o tempo industrial serve mais para máquinas que para humanos, residindo aí o ponto nevrálgico da questão: como se deve dar a indenização quando cada pessoa reage diferentemente a um tempo?
O que se quer dizer é que, em um espaço de intervalo igual, pessoas podem ter desempenhos diferentes, de acordo com suas habilidades e competências. Um médico atende um paciente em 01 hora, mas a boleira de uma padaria faz o seu produto em 02 horas. No dia seguinte, o médico pode atender em 15 minutos e a boleira realizar sua tarefa em 03 horas. Como medimos esse rendimento diferenciado?
Podemos fazer uma média de rendimento ou uma conta que leve em consideração as variáveis que podem influir no desempenho de cada pessoa. Até aqui a matemática, a estatística e a administração explicam. Mas e se estamos a tratar de tempo cujos parâmetros não se medem? Como fazemos para medir o tempo que leva para um advogado consagrar-se numa banca? Ou o profissional de televisão tornar-se apresentador de um grande programa? A atleta de curta distância se tornar uma grande maratonista? Ou o cozinheiro que cobiça ter seu próprio restaurante?
Esse tempo não se conta em dias ou meses, talvez em anos, mas tudo depende de uma série de fatores: sociais, econômicos, políticos, educacionais e por aí vai. É este o desafio para os juristas, operadores e estudiosos do Direito. Uma pessoa que perdeu a vida num acidente será ressarcida de acordo com sua expectativa de vida, mas como fazemos para que a indenização seja justa e condizente como todos esses aspectos antes demonstrados?
O direito precisa assimilar o tempo kairós e estudar novas possibilidades e fatores que interferem na formação do indivíduo. Nunca teremos como saber quanto tempo levaria para grandes acontecimentos, mas podemos chegar perto de uma previsão mais estudada, elaborada e sentida por aqueles que aplicam a lei.
[1] Google. Dicionário. Tempo.
[2] Eclesiastes 1:14
[3] Eclesiastes 2:16