O espírito da advocacia
11 de agosto – um dia para celebrar a palavra
O quê “O Mercador de Veneza”, de Shakespeare, “O Sol é para todos”, de Harper Lee e “Doze homens e uma sentença” de Reginald Rose, têm em comum?
Antes de responder a essa pergunta, vamos relembrar o ponto central de cada uma dessas grandes obras.
Em “O Mercador de Veneza”, Shylock é impedido de fazer valer seu contrato de empréstimo, o qual lhe garantia uma libra de carne, porque não poderia derramar uma gota de sangue, de acordo com as Leis de Veneza, a partir da argumentação astuta de Pórcia.
Em “O Sol é para todos”, o Tribunal não pode condenar Tom Robinson, porque o crime fora praticado por uma pessoa canhota, e o acusado era destro, conforme demonstrado pelo advogado Atticus Finch.
Em “Doze homens e uma sentença”, o testemunho foi frágil para condenar um rapaz, porque a testemunha - que tinha problemas de visão- jamais poderia ver bem à noite o homicídio, raciocínio levantado pelo jurado número 8, Mr. Davis (encenado pelo ator Henry Fonda).
Ou seja, em todas essas obras de ficção, foi erigido um motivo racional que mudou os rumos de um julgamento. E o motivo foi construído por meio de um ou mais argumentos, que, por sua vez, se fizeram por meio de uma ou mais palavras concatenadas a permitir a reconstrução dos fatos e da verdade.
Em última análise, é a palavra a fonte do poder de mudar os caminhos do julgamento.
Advogado vem da expressão em latim “Ad vocatus”, que quer dizer “com a palavra” ou “pela palavra”.
Isto é, o advogado tem como objeto de profissão a própria palavra, falada ou escrita, que exprime a voz do seu constituinte.
Sua palavra é a razão ou a lei explicada e resgatada, que digladia contra as injustiças do mundo.
Esta profissão antiga que, bastante retratada nas obras de ficção, realmente participou dos grandes momentos da humanidade.
E hoje, aqui no Brasil, no dia do advogado, vamos celebrar a profissão que tem como mote uma bela função: a Defesa da pessoa em suas múltiplas facetas.
E o que é Defesa?
Defender é se colocar como escudo. É se pôr no lugar do outro.
A defesa, nas cortes, sucede por palavras.
Defende-se a dignidade, a liberdade, a saúde, a propriedade, o trabalho digno, o aperfeiçoamento das instituições, o ser humano, sobretudo.
Inúmeros direitos e liberdades estão assegurados em nosso ordenamento jurídico, desde a Constituição Federal até as leis ordinárias, regulamentos e portarias.
Mas é por meio do advogado que esses conceitos abstratos tomam formas reais. É por meio dos advogados que as palavras escritas nos textos normativos ganham vida, ganham cor, assimilam-se ao ser humano.
É o advogado o elo vocacionado entre a pessoa e a Justiça. Sem ele, dotado de capacidade postulatória, não há concretização dos direitos.
O advogado seria dispensável se o mundo fosse um lugar justo, se todas as pessoas amassem umas as outras, se todos cumprissem a sua palavra. Mas, infelizmente, o mundo nem sempre é assim.
É por isso que a sociedade confiou ao advogado uma das tarefas mais importantes: desfazer a injustiça, desdobrar os direitos.
Porém, ao engendrar seu trabalho, o advogado não está imune às críticas.
É um profissional muitas vezes mal compreendido pela sociedade e até mesmo pelos seus pares (Juízes, Promotores, Autoridades Policiais), os quais fortuitamente acabam confundindo o defensor com o ato da pessoa defendida.
Um profissional que é o muro de arrimo das mais variadas angústias de seus clientes.
Um profissional que é o primeiro juiz da causa.
Um profissional que ouve e transforma as palavras em ação.
Homens como Sobral Pinto, Ruy Barbosa, Nelson Mandela, entre tantos outros, que lapidaram um mundo mais justo, mais coerente, mais humano.
Homens que se puseram a favor dos homens.
Eles não construíram prédios nem estradas, mas forjaram muros contra as mazelas, semeando a civilidade, recolhendo a humanidade presente em cada indivíduo que se vê desamparado durante a vida.
A quem recorreríamos sem esta profissão? Nos piores momentos, a quem recorreríamos?
A advocacia é uma construção e o advogado é o mestre de obra, pois edifica pontes que unem ilhas abandonadas - os esquecidos – ao continente chamado comunidade.
Nas três grandes obras acima citadas, há um advogado (Atticus Finch em O Sol é para Todos), uma donzela fantasiada de advogada (Pórcia em O Mercador de Veneza) e um jurado (em Doze Homens e uma sentença), que resgatam o poder das palavras e nos lembram que a advocacia não é um título, mas um estado de espírito.
Feliz dia do advogado!
Cena de o Sol é para todos - To Kill a Mockingbird (4/10) Movie CLIP - Atticus Cross-Examines Mayella (1962) HD - YouTube
Cena de Doze Homens e uma sentença - ARGUMENTAÇÃO 03 - YouTube
Cena do mercador de Veneza - O Mercador de Veneza e O Auto da Compadecida; - YouTube