Testamento e planejamento sucessório (15/02/2019)
Você já deve ter ouvido falar em testamento ou planejamento sucessório? Sim ou não? Muita gente acredita que testamento ou planejamento sucessório é para quem já está prestes a falecer ou alguém que tem muito dinheiro. Pois é, mas esse é um conceito equivocado. Isso porque a partir de um testamento ou planejamento sucessório você consegue melhor dispor como quer transmitir de modo mais eficiente seu patrimônio depois da morte. Ah, mas você deve estar pensando: qual o motivo de eu fazer isso se meus bens já vão ser transmitidos aos herdeiros depois de minha morte?
A resposta é: evitar futuros conflitos entre os herdeiros e manifestar sua vontade.
Sim, há dois tipos de sucessão no direito brasileiro: a sucessão hereditária (onde não há testamento) e a sucessão testamentária (onde há testamento). O testamento é uma declaração unilateral de vontade, onde o testador (a pessoa que é titular dos bens) pode dispor de parte de sua herança para outra pessoa (beneficiário). O testador só pode dispor de 50% de seus bens no testamento. Os outros 50% não se pode dispor (essa parte é denominada da legítima - é a parte indisponível, que seguirá as regras de sucessão hereditária). Nesse sentido, o Código Civil, em seu art. 1.846, dispõe: “Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima.”
Por outro lado, há duas formas mais comuns de testamento: o particular e o público. O primeiro é feito de forma escrita, podendo ser assinado por duas testemunhas. O segundo é feito mediante escritura pública lavrada pelo tabelião de notas e tem publicidade, além de ter um custo maior. No próprio testamento, pode-se prever a transmissão dos bens inclusive com as cláusulas restritivas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade.
Como se não bastasse o testamento, há outras formas de planejamento sucessório. Cabe dizer que o planejamento sucessório é gênero do qual o testamento é espécie. Sobre o seu conceito, Flávio Tartuce, citando a Prof.ª Daniele Teixeira, define como "o instrumento jurídico que permite a adoção de uma estratégia voltada para a transferência eficaz e eficiente do patrimônio de uma pessoa após a sua morte" (TEIXEIRA, Daniele. Noções prévias do direito das sucessões. Sociedade, funcionalização e planejamento sucessório. In: Arquitetura do planejamento sucessório. Belo Horizonte: Fórum, 2018. p. 35).
Ou seja, pode-se fazer um planejamento sucessório por meio de um testamento ou por outras formas. Exemplo: se uma pessoa possui empresas e gostaria de fazer uma previsão de como será a administração da sociedade depois da morte, pode ser feito um documento onde se disporá isso, ou mesmo constituir uma holding familiar, o que é comum para quem possui um patrimônio líquido muito grande.
Além disso, o planejamento sucessório pode começar na definição do regime de bens no casamento. Outra forma muito comum é realizada pela doação com reserva de usufruto ou formação de negócios jurídicos especiais, como acontece no trust. Flávio Tartuce ainda coloca mais opções, tais como: “efetivação de partilhas em vida e de cessões de quotas hereditárias após o falecimento; celebrações prévias de contratos onerosos, como de compra e venda e cessão de quotas, dentro das possibilidades jurídicas do sistema; eventual inclusão de negócios jurídicos processuais nos instrumentos de muitos desses mecanismos; pacto parassocial, como se dá em acordos antecipados de acionistas ou sócios; e contratação de previdências privadas abertas, seguros de vida e fundos de investimento.”
Não é raro, no entanto, ver esses mecanismos utilizados de modo fraudulento, como blindagem patrimonial, onde se vê, por exemplo, no detrimento da transmissão de bens a filhos havidos fora do casamento.
Cabe colocar ainda que o planejamento sucessório não envolve só questões patrimoniais, mas também questões de outra natureza (muito embora no próprio testamento pode se dispor sobre questões não patrimoniais – como por exemplo o reconhecimento de um filho). Na verdade, o que se quer dizer é que o planejamento sucessório é muito mais amplo, não há delimitação prévia, diz respeito a tudo que a pessoa gostaria de regular pós morte.
Muito se tem questionado se o planejamento sucessório é uma forma de escapar das regras do testamento (como a legítima, por exemplo). Não raro, ele é usado nesse sentido. Mas existem formas de fiscalizar tais atos a posteriori. Ou seja, se verificar que a pessoa está transmitindo bens para determinada pessoa jurídica com o intuito de escapar-se da legítima, outro herdeiro poderá fiscalizar tal ato.
É interessante observar que tanto o testamento, quanto o planejamento sucessório, são formas de viabilizar a vontade do dono, já que não se pode ter controle de tudo depois da morte. Existe uma parcela de questões que pode ser regulada pelo dono, seja em virtude de seus anseios, intimidade, afeições a determinadas pessoas.
Outra regra de ouro que incide na questão sucessória é a impossibilidade de ser objeto de contrato a herança de pessoa viva, denominado comumente de pacta corvina. Esta é uma regra disposta no Código Civil, em seu art. 426. Diz o texto normativo: “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”. Ou seja, em hipótese exemplificativa, um herdeiro não pode vender sua cota hereditário a outro herdeiro antes da morte do pai, sob pena de nulidade do ato (art. 166, VII, do Código Civil).
Segundo Flávio Tartuce, há “propostas para que sejam incluídas exceções a essa regra ou mesmo que o comando seja revogado, contratualizando-se definitivamente o Direito das Sucessões Brasileiro”. Assim, “propondo uma mitigação, José Fernando Simão, (...), sugere a inclusão de um parágrafo único no comando, passando a prever que ‘por meio de pacto antenupcial, os nubentes podem convencionar que em caso de dissolução do casamento por morte, a partilha se faça por qualquer dos regimes previstos no Código Civil, ainda que distinto daquele convencionado’ ”.
Também pode servir como regulação de situações imprevistas. Caso o dono dos bens faleça com filhos ainda menores, é importante saber quem administrará os bens dos menores deixados pelo falecido enquanto eles ainda sejam incapazes, com que será gasto etc. Enfim, há uma gama de possibilidades para previsão de situações inesperadas.
Atualmente, uma novidade tem sido vista nos testamentos: a denominada herança digital. Dessa forma, com o avanço da tecnologia, cresce o interesse sobre determinadas contas na rede social, páginas, contatos, postagens, perfis pessoais, senhas, entre outros assuntos da revolução digital. Já é possível, determinar, na disposição de última vontade, quem administrará e será o titular da herança digital. Algumas ferramentas já permitem indicar quem o fará (como o Facebook).
Além do mais, crescem inclusive as questões relacionadas a animais domésticos, o que gera uma maior possibilidade de regulação das questões “pet” (com quem ficará, quem cuidará, o que deve ser feito etc). Dessa forma, pode-se observar que os interesses tutelados no testamento ou no planejamento sucessório acompanham e se modificam conforme as mudanças de tempo e época.
Bibliografia
FIUZA, César. Direito Civil: curso completo. 18 ed. São Paulo: Ed. RT, 2015.
TARTUCE, Flávio. Planejamento sucessório: O que é isso? – Parte I. In: https://www.migalhas.com.br/FamiliaeSucessoes/104,MI290190,101048-Planejamento+sucessorio+O+que+e+isso+Parte+I . Acesso em 26.01.2018.
TEIXEIRA, Daniele. Noções prévias do direito das sucessões. Sociedade, funcionalização e planejamento sucessório. In: Arquitetura do planejamento sucessório. Belo Horizonte: Fórum, 2018.