Contrato de locação em shopping center (08/02/2019)
Atualmente, com a explosão do consumismo, podemos observar a realização de um contrato híbrido: denominado contrato de locação em shopping center.
O primeiro shopping center do Brasil é o Iguatemi São Paulo, fundado em 1966. Desde então, as metrópoles e capitais brasileiras têm verificado um aumento do número de empreendimento comerciais voltados ao consumo. Grandes lojas procuram se estabelecer nesses locais, aproveitando a grande circulação de pessoas, a segurança e infraestrutura do estabelecimento, bem como servindo-se do espaço para divulgação de suas marcas.
O contrato entre lojista e dono do empreendimento não chega a ser uma locação pura, mas tem características similares e outros itens adicionais que a diferenciam.
A locação é um dos pactos mais tradicionais no direito. Desde Roma Antiga, já se pode ver este instituto, que era chamado de arrendamento . Normalmente, o objeto locado eram terras para a produção agrícola. Com o passar do tempo e a urbanização, hoje vemos que a modalidade mais comum é a locação de imóvel urbano.
Tal contrato é regido pela Lei 8.245/1991 (A Lei de Locações). Neste texto normativo, estão dispostas as normas que regem a relação locatícia de imóvel urbano, tais como suas modalidades, as obrigações do locador e do locatário, a disciplina da sublocação, da renovação de aluguel, bem como as ações locatícias, entre outras disposições mais específicas.
Quanto às modalidades, temos alguns exemplos, tais como (i) a locação para fins residenciais, e (ii) a locação comercial, das quais são espécies a locação built to suit e também a locação em shopping center.
Quanto a esta último, temos um conceito prévio, dado pelo Tribunal de Justiça do Ceará, segundo o qual “as avenças entre lojistas e shopping centers são, em regra, contratos coligados, com predominância do pacto de locação.” (DPP, Contratos. São Paulo: RT, 2015. p. 280).
Por sua vez, Cláudio Santos complementa: “A ele são coligadas outras avenças: um regimento interno do centro, uma convenção que estabelece normas gerais de locação, administração, funcionamento, fiscalização e outros, além do estatuto da associação de lojistas.”
Assim, o dono do empreendimento decide criar lojas ou boxes no imóvel, para, em seguida, locá-los aos lojistas. No entanto, o locatário, além de pagar um valor mensal pela utilização do boxe/loja, deve pagar outras quantias. A doutrina e a jurisprudência brasileira já têm entendido que o contrato de shopping center se caracteriza pelo que denominam de tenant mix (expressão americana que significa aluguel misto), constituindo, portanto, instituto próprio.
Segundo o civilista Darcy Bessone, “No shopping center, o lojista, em lugar de criar, à própria custa, todo o equipamento que lhe favoreça, paga apenas uma quota do dispêndio, economizando, assim, investimento maior para o qual nem estaria capacitado. Essa economia promanaria do universo de vantagens que o empreendedor põe à sua disposição, sem que o lojista o pague por inteiro” (...) e complementa com o mais importante: “O preço não resulta de uma composição de subpreços ou custos. Com efeito, não atribuem os interessados preços distintos à localização, à estrutura do shopping center, ao seu funcionamento, à sua administração, ao estacionamento de veículos, ao parque de diversões, aos entretenimentos, às promoções e, ainda, ao uso de um certo espaço físico.” (BESSONE, Darcy. Problemas jurídicos do shopping center. Doutrinas Essenciais – Direito empresarial. São Paulo: Ed. RT, 2010. Vol. 4. p. 713.).
Dessa forma, são obrigações comuns nesse tipo de contrato: a) a que estabelece sistema dúplice de cobrança do aluguel, sendo um fixo, mínimo, e outro percentual, sobre o total da receita mensal, sendo devido o maior deles: a cada mês; b) a que prevê o pagamento de aluguel em dobro, no mês de dezembro; c) a que obriga o locatário a se inscrever na Associação dos Lojistas e participar do fundo comum de promoções, propaganda e marketing; d) a que obriga o locatário a abrir e fechar a loja nos horários determinados pelo empreendedor e a não fazer promoções ou liquidações, senão na mesma época, sendo-lhe ainda vedado mudar o ramo de negócio.
Vale dizer que nesse tipo de contrato vige o princípio da liberdade de disposição, onde as partes podem dispor o que quiserem (com algumas exceções), respeitando apenas as normas procedimentais prevista na Lei 8.245/1991.
É por isso que o art. 54 prevê: “Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.
Isso quer dizer que as partes podem afastar a maioria das normas materiais da lei locatícia, mas não podem renunciar às ações nela previstas, que são instrumentos em benefício de uma das partes para resguardar seus direitos quando instalado um litígio com a contraparte. As ações mais comuns são a ação de cobrança de alugueis e a ação de despejo por falta de pagamento (estas utilizadas pelo dono do empreendimento). Mas também há a ação de consignação de alugueis e a ação renovatória (usadas pelos lojistas).
Ainda, a Lei de Locações se refere ao contrato de shopping center em mais uma ocasião. Dispõe o art. 52, § 2.º, da Lei 8.245/1991: “Nas locações de espaço em shopping centers, o locador não poderá recusar a renovação do contrato com fundamento no fato de o imóvel vier a ser utilizado por ele próprio ou para transferência de fundo de comércio existente há mais de um ano, sendo detentor da maioria do capital o locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente.”
Veja-se, então, a intenção do legislador proteger o locatário/lojista na renovação do aluguel, impondo obrigação negativa ao administrador do empreendimento.
Conforme vimos, pode-se verificar que o legislador procura se abster das relações travadas entre as partes em contrato de locação em shopping center. Vige com mais prevalência a liberdade contratual e a autonomia privada, porque comumente são sociedades empresárias que firmam este contrato. Como exemplo disso, podemos ver que o Superior Tribunal de Justiça manteve cláusula contratual que previa, no mês de dezembro, o pagamento em dobro do aluguel de espaço, em prestígio ao princípio da autonomia privada. Vejamos:
“RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. LOCAÇÃO DE ESPAÇO EM SHOPPING CENTER. AÇÃO DE DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. APLICAÇÃO DO ART. 54 DA LEI DE LOCAÇÕES. COBRANÇA EM DOBRO DO ALUGUEL NO MÊS DE DEZEMBRO. CONCREÇÃO DO PRINCÍPIO DA AUTONOMIA PRIVADA. NECESSIDADE DE RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA OBRIGATORIEDADE ("PACTA SUNT SERVANDA") E DA RELATIVIDADE DOS CONTRATOS ("INTER ALIOS ACTA"). MANUTENÇÃO DAS CLÁUSULAS CONTRATUAIS LIVREMENTE PACTUADAS. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. 1. Afastamento pelo acórdão recorrido de cláusula livremente pactuada entre as partes, costumeiramente praticada no mercado imobiliário, prevendo, no contrato de locação de espaço em shopping center, o pagamento em dobro do aluguel no mês de dezembro. 2. O controle judicial sobre eventuais cláusulas abusivas em contratos empresariais é mais restrito do que em outros setores do Direito Privado, pois as negociações são entabuladas entre profissionais da área empresarial, observando regras costumeiramente seguidas pelos integrantes desse setor da economia. 3. Concreção do princípio da autonomia privada no plano do Direito Empresarial, com maior força do que em outros setores do Direito Privado, em face da necessidade de prevalência dos princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e da função social da empresa. 4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.”(STJ - REsp: 1409849 PR 2013/0342057-0, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 26/04/2016, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 05/05/2016).
Veja-se que, na decisão acima, o STJ optou por não interferir na avença firmada entre as partes em contrato de locação em shopping center, já que a relação é empresarial, onde os sujeitos que sabem os riscos do negócio, assumindo as responsabilidades previstas no contrato. Dessa forma, não podem alegar falta de conhecimento técnico a mudar o pactuado.
Portanto, a lei admite, ainda que fugindo ao sistema comum, as disposições atípicas, mas de índole econômica, que as partes livremente pactuam, de acordo com a realidade e a experiência do mercado. É preciso, entretanto, tomar cuidado para que não sejam estas cláusulas atípicas, que restringem os direitos dos locatários, confundidas com cláusulas abusivas, que os ponham em manifesta desvantagem, e que são fulminadas pela sanção da nulidade.
A locação de espaços em shopping centers tem suscitado outras controvérsias, especialmente no que concerne à cobrança da chamada, impropriamente, res sperata, que muitos confundem com luvas.
É absolutamente pacífico o entendimento no sentido de ser cobrado do futuro locatário uma quantia em dinheiro, como contrapartida da clientela que o empreendimento atrairá, e da qual o beneficiário será o lojista. Ao se inaugurar o empreendimento, o lojista, em geral, ainda não dispõe de um fundo empresarial próprio, absorvendo o fundo que é do próprio shopping, como um todo. E é isso que se cobra do lojista, não como luvas ou adiantamento de aluguéis, e sim como contribuição para a complementação do empreendimento.
Quando, todavia, se trata de renovação do contrato, não mais se admite a cobrança de luvas, tendo em vista que o comerciante, nesse momento, com o seu trabalho e esforço, já constituiu um fundo empresarial próprio.
Outra questão que tem desaguado nos tribunais diz respeito à pretensão de devolução da res sperata, quando alega o locatário que não se atenderam as justas expectativas de sucesso comercial anunciadas pelo empreendedor e administrador do shopping. Isto é, o denominado tenant mix não se revelou equilibrado, ou as lojas âncoras não se instalaram, não se atraindo a clientela esperada, tornando o contrato excessivamente oneroso. Trata-se de uma quaestio facti a ser apreciada pelo juiz diante do caso concreto e após exauriente instrução probatória.
Assim, será o julgador quem avaliará as questões reais que se apresentaram no caso, sob a ótica do investimento, do mercado e da matriz de riscos estabelecidas no contrato, podendo ensejar uma revisão contratual, ou até mesmo uma resolução por excessiva onerosidade.
Enfim, diante de todo o exposto, vimos que a locação em shopping center é um contrato que tem sido muito utilizado em virtude da explosão dos shopping centers, ganhando contornos próprios nas relações entre empresários e lojistas. É por isso que precisa ser estudado de forma apartada dos outros contratos de locação.
BIBLIOGRAFIA
Doutrina, Processos e Procedimentos. Volume de Contratos. São Paulo: Ed. RT, 2015.
www.stj.jus.br . Acesso em 06.02.2019
www.tjce.jus.br . Acesso em 30.01.2019
Aula Locação em Shopping Center – Ebradi/IBDCivil – Pós em Advocacia Contratual e Responsabilidade Civil (2018/2019).